Bruxaria devocional,  Chá com a bruxa,  Conceitos básicos

Divindade Patrona

Introdução

  • A bruxaria é um caminho espiritual diverso, onde encontramos praticantes monoteístas, alguns centram a sua prática em um casal divino ou são politeístas. Portanto, nessa publicação irei falar da perspectiva da minha prática. 
  • Irei focar em deusas, por uma aproximação pessoal, mas esse conhecimento vale para deuses também. 
  • Todo o texto dessa publicação é baseado na minha prática pessoal. Ela muda ao longo do tempo, então, voltarei aqui para reformular caso a minha visão sobre o assunto se altere muito.
  • O objetivo é compartilhar contigo a minha história para vocês entenderem que chegar aos deuses que querem participar da nossa jornada não acontece seguindo uma receita de bolo. Os deuses se apresentam de forma clara em alguns momentos, mas, na maioria das vezes, é de forma sutil.
  • Fuja da ideia dos deuses-de-prateleiras que são chamados como itens em um feitiço. Entenda os conceitos de Xenia, Kharis e Eusebia. Honramos e respeitamos os deuses pelo que eles são e significam para nós. Os deuses são merecedores de culto e sacrifício simplesmente porque eles são responsáveis por tudo ao nosso redor e pela nossa existência. 

Deuses patronos no helenismo

  • É importante falar que não existia esses conceitos de deusa-patrona ou deusa-guia no helenismo tradicional da mesma forma que utilizamos atualmente.
  • Na Grécia Antiga existia um panteão pan-helênico e festivais cívicos em comum entre diferentes cidades. No entanto, cada cidade-estado tinha suas particularidades, tendo foco em uma ou em um conjunto de divindades e heróis que condizia com sua história e sua vida prática, sendo chamados de deuses políades. Inclusive a mesma divindade poderia ser cultuada de maneira diferente em cada cidade-estado ou casa, podendo ter foco em facetas/epítetos diferentes da mesma divindade. Além disso, cada casa tinha um conjunto de deuses domésticos que poderia variar de acordo com a profissão ou origem de seus moradores.
  • Dito isso, temos o culto pan-helênico (realizado por quase todos na Hélade), culto cívico ou oficial (realizado por quase todos em uma cidade-estado) e o culto doméstico (realizado por todos em cada oikos/casa).
  • Para além disso, também temos uma classificação chamada de culto de mistérios ou práticas místicas que eram realizadas de maneira não-oficial por muitos helenos.
  • Portanto, se você mora em uma cidade-estado litorânea, provavelmente manterá práticas para muitos deuses comuns a todos os helenos, mas terá festivais com enfoque em divindades ligadas ao ambiente marinho como Poseidon ou Afrodite. Se você for ferreiro, pode ter culto doméstico incluindo Hefesto. Se você era médico ou curandeiro, teria um culto doméstico a Asclépio e Apolo. Se você é agricultor, pode ter um culto doméstico a Deméter. Se a sua cidade tiver maior criação de gado, pode ter um culto cívico a Hermes e Pã. Não existe divisão entre sagrado e profano, o seu modo de sustento e o lugar onde você vive influencia diretamente a sua prática devocional.
  • Existiam pessoas que eram monolatras, embora sejam politeístas, tinha um enfoque maior na sua prática devocional para uma divindade, buscando-a para todas as suas questões ou até dedicando-se em sacerdócio.
Hino dos Pitagóricos para o Sol Nascente (1869). Artista: Fedor Andreevich Bronnikov.

Divindade patrona

  • Na minha prática e gnose pessoal, eu vejo a deusa-mãe e deus-pai como nossos patronos. Aqueles deuses que estavam na formação da nossa alma, antes mesmo da primeira encarnação. Acredito que compartilhamos traços da nossa personalidade com eles porque eles foram os nossos criadores. Eles acabam nos ensinando bastante através de seus mitos porque sentimos eles acontecendo na nossa vida. Por isso a identificação com a divindade patrona é quase que instantânea.
  • Eles não são “pais” ou “mães” no sentido paternal ou maternal do termo, mas é no sentido de princípio criador. Por isso, não espere os estereótipos parentais dessas divindades, isso pode frustrar as suas expectativas.
  • Cada pessoa pode ter um casal divino patrono, mas não necessariamente ambos serão descobertos. Também pode acontecer de um pessoa ter apenas uma divindade patrona, desenvolvendo um culto monolatra ou não.
  • Cada divindade tem em si o princípio do sagrado feminino e do sagrado masculino. Algumas divindades tem essas energias mais equilibradas ou manifestam mais o feminino ou masculino. Percebo que quando existe um equilíbrio maior entre esses polos, o devoto tem um culto monolatra com maior frequência.
  • Eu não acredito que os deuses patronos mudem ao longo da vida, mas sim, que podem se aproximar ou se afastar dependendo da nossa conexão e o quanto querem nos ensinar algo.
  • No meu caso, eu acredito que Perséfone seja minha deusa patrona. Eu sinto muito equilíbrio entre o feminino e masculino em sua energia. Não sinto necessidade de ter uma divindade para complementar. O mesmo sinto de Afrodite. No entanto, de Deméter, eu já sinto uma energia com maior enfoque no sagrado feminino, assim como Zeus, eu sinto um enfoque maior no sagrado masculino. Possivelmente se eu fosse filha de Deméter, eu sentisse a necessidade de ter um equilíbrio maior com a polaridade masculina, mas isso não é regra. É algo precisa ser vivenciado e sentido. Pode mudar de acordo com a história de cada pessoa.
  • Formas de descoberta:
    • Autoconhecimento – Buscar nas suas memórias por sinais. 
    • Rituais de conexão – Meditações ou orações pedindo para eles se apresentarem e para que você esteja atento aos sinais também é uma ótima forma de chegar a eles. 
    • Interesse e estudo – Pense em quais panteões você tem mais interesse e comece a estudar ou conhecer os deuses e a cultura desses povos que os deuses vão te aproximando do caminho certo. Aos poucos vão chegando confirmações.

Divindades guia

  • Eles são as deusas e os deuses que surgem na nossa jornada para nos ensinarem alguma lição ou nos ajudarem em algum momento da nossa vida. Eles podem aparecer pontualmente.
  • Eu acredito que são deuses que podem ser temporários ou permanentes na sua vida. Eles se aproximam conforme a sua necessidade de trabalhar com eles.
  • Formas de descoberta são semelhantes aos pais divinos, a diferença é que você procura por ajuda em uma questão mais pontual. Por exemplo, estou com dificuldades de autoestima, eu me afinizo com o panteão grego, Afrodite trabalha muito bem com essa questão. Você inicia uma rotina de conexão com essa deusa para entender como ela poderia te ajudar nessa questão. Aprende seu mito, seus epítetos e como eram os cultos dos ancestrais para ela. 

Atenção!

  • Você não precisa de um chamado especial para se aproximar de um deus ou deusa, se você tem afinidade por ele, vá em frente. Comece a estudar seus mitos, suas preferências e se conectar periodicamente com ele. Apenas o contato constante irá te confirmar se esse é o seu deus-patrono ou deus-guia. Lembre-se sempre dos conceitos abordados aqui, os deuses merecem devoção independente de estarmos precisando ou não deles. Não crie relações superficiais e nem de suborno.

A minha jornada para o submundo

  • No momento tenho 27 anos. Sou filha única. Eu fui criada por uma mãe com histórico de internações psiquiátricas constantes desde o meu nascimento e por um pai que pratica diferentes violências contra ela. Ele foi o único homem dela, com um casamento aos seus 16 anos com um homem 10 anos mais velho. Ao casarem, ele a levou para outro Estado. Sua mãe morreu enquanto ela estava longe, seu pai morreu anos depois, enquanto eu era jovem.
  • A minha infância foi ficando em casa de parentes durantes brigas e crises psiquiátricas da minha mãe. Embora tenha sido filha única, precisei aprender a lidar a estar na casa de estranhos e dividir tudo.

I) O primeiro contato com a bruxaria

  • Por volta dos meus 13 anos por influência de um primo que estudava Ocultismo, conheci a bruxaria. Esse primeiro contato foi com o livro As Brumas de Avalon e A Bruxaria Hoje e o filme Da Magia à Sedução. Nesse momento, eu descobri que existiam deusas. A minha mente explodiu. 
  • Depois desse primeiro contato, outras fontes me influenciaram bastante, como o estudo do Tarot de Marselha, meditações, as revistas Wicca da Eddie Van Feu e os livros de Harry Potter.
  • Aos 16 anos, devido a entrada de um espírito no sonho de alguns conhecidos, o medo e desconhecimento me fez ficar afastada por 10 anos da bruxaria (entre meus 15 anos e 25 anos). Pensávamos que foi algum erro meu que atraiu esse espírito. Hoje em dia já entendo que esse sonho foi um alerta contra uma pessoa que estava querendo me fazer mal. Infelizmente, na época joguei tudo no lixo ou queimei. Livros, tarot, tudo. Se iniciava a minha fase no cristianismo.

II) Fase Cristã

  • Aos 12 anos, eu comecei a fazer catequese por incentivo de amigos e do meu pai (estudando bruxaria simultaneamente). Fiz primeira comunhão e crisma. Inclusive me tornei professora de catequese. Eu sempre achei as missas bastante cerimoniais e eu tentava unir a visão do catolicismo com a bruxaria. Com a visão de Maria e Jesus como exemplos de feminino e masculino.
  • Depois comecei a frequentar a Igreja Protestante com meu namorado na época (e atual marido) e acabei me conectando com a espontaneidade dos cultos e orações. Além de estar em uma fase de bastante fragilidade econômica e emocional devido aos conflitos com meus pais, o que favorece a aproximação aos protestantes e suas promessas de vitória. Inclusive me batizei e casei nos moldes do protestantismo. Frequentava os cultos e a escola bíblica dominical assiduamente. 

III) Fase desligada

  • Foi com a minha formatura no técnico em Química e posterior entrada na faculdade de Biologia (que tem como símbolo a Deusa Minerva, será coincidência?) que foi iniciado um desligamento de toda e qualquer ligação com caminhos espirituais por ceticismo e porque os estudos me engoliram por completo e de forma tóxica.
  • A vida científica quase que te força a se afastar de qualquer espiritualidade. Existe um grupo bem considerável dentro da Academia que é ateia e tira o crédito de pessoas religiosas. Inclusive já participei de palestras que ridicularizam a ideia de Criacionismo, mesmo que seja pensado de forma simbólica.
  • A ideia de que cientista não pode ser religioso foi algo que ficou ressoando em mim. 
  • Outro fato importante é que trabalhando e estudando, eu quase não conseguia tempo livre de qualidade para fazer qualquer coisa para mim. Acabei sendo engolida pelas obrigações e entrando em uma baixa autoestima tremenda, a ponto de nem saber mais o que eu gostava de fazer.
  • Além disso, foi nesse meio tempo, depois de muitos desentendimentos com meus pais, decidi afastá-los da minha vida definitivamente. Desde 2019 não tenho contato com eles de forma saudável.
Ciência e religião podem co-existir?

IV) Lua e Sol

  • Em fevereiro de 2020 algo despertou em mim uma necessidade muito grande de reconexão espiritual. Na terapia, eu estava recebendo vários chamamentos para ter atividades agradáveis e que não fossem associadas as obrigações. Sem falar que eu estava em uma crise financeira enorme, então precisava de hobbies ou atividades gratuitas. 
  • E foi nesse contexto que senti o chamado do retorno à Bruxaria. Formada no técnico em Química, trabalhando em uma universidade e formada na faculdade de Biologia, como professora e geneticista, uma religiosidade cristã negacionista e que diminui o papel da mulher, não faziam mais sentido. Um caminho com foco nos ciclos naturais parecia ser algo bastante chamativo e coerente para mim.
  • Com o retorno dos estudos de Bruxaria. Senti a necessidade de ter um altar, e com a casa atual, eu tive essa oportunidade.
  • As fontes que tive contato primeiro foram da Wicca. Eu me atrai muito por autores como Scott Cunningham e Starhawk. Descobri que diferente do início dos anos 2000, hoje temos a internet cheias de fontes de qualidade (e outras péssimas) para fácil consulta.
  • Senti que os conhecimentos foram sendo despertados em mim com uma velocidade incrível. E chegou a quarentena que fiquei de home office por mais de 1 ano e meio, acelerando o meu processo de estudos e autoconhecimento.
  • Eu sempre senti a necessidade de representar a dualidade em minhas práticas mágicas, desde a juventude. Então me afinizei com a ideia de representar as energias femininas como a Lua e as energias masculinas como o Sol.
Sol e Lua
  • Foi nesse momento que também retomei os estudos com o Tarot e comemorei o Mabon de 2020 como um mergulho no meu autoconhecimento.
  • A principal criadora de conteúdo dessa fase foi Pri Ferraz (@diariodabruxa). Eu adora ouvir o jeito simples de fazer magia e me aproximei bastante a magia natural. 

V) Deusa e Deus

  • Com o tempo de estudos, a ideia da representação abstrata da dualidade do universo como o Sol e a Lua já não me pareciam o suficiente. 
  • A minha visão de Sagrado Feminino e Sagrado Masculino tinha mudado. Eu vejo cada pessoa como um ser completo, com ambas as energias, não fazia sentido polarizar como se existissem corpos separados para cada energia. Até mesmo pensar que nascidas mulheres tem predominância de energia feminina me pareceu superficial demais. As pessoas são complexas e o papel de cada gênero é uma construção social que deveria ser quebrada.
  • Neste momento, talvez motivada por minha criação cristã católica que personifica seus deuses e criam imagens deles, acabei voltando meus estudos para as divindades.
  • O panteão grego logo se mostrou para mim. Claro que isso tem influência também da quantidade bem maior de fontes e devotos na internet. Além de claro, desde de pequena ser uma pessoa que sempre gostou de fantasia e mitologia grega. Então começou um estudo profundo de História Antiga, Arqueologia e Literatura Clássica.
  • Eu também sempre busquei por sinais em sonhos, no meu dia e através de oráculos.

VI) Afrodite

  • A primeira deusa a se apresentar para mim foi Afrodite. A quantidade de material que encontrei sobre ela foi surpreendente. Muitos devotos, textos e referências. A Pri Ferraz (@diariodabruxa), também teve papel fundamental para eu conhecer essa deusa.
  • Infelizmente, percebi que muito o que eu encontrava eram experiências com pouco aprofundamento. Utilizando-se do contato com a deusa apenas para obter pequenos ganhos e para feitiços de amor. Com aquela prática de “deuses-de-prateleira”. Neste momento fiquei bastante criteriosa nas minhas buscas.
  • Com ela aprendi muito sobre o poder que existe em mim, ter autoestima. Apreciar o belo. Realmente foi essencial para a transição do meu eu domesticado pelo Cristianismo para um eu bruxa que confia no seu poder pessoal. Além de ser fundamental para eu sair do armário de vassouras.
O nascimento de Vênus. Pintor: William Adolphe Bouguereau (1879).

VII) Hécate

  • Logo depois quem se apresenta é Hécate me guiando nesse momento. Também com uma quantidade de material muito significativa. Percebi que existe um culto bastante sério e vivo para ela. Isso me alegrou bastante. 
  • Foi Márcia Silva (@azenwitch) através do podcast Caverna de Hekate que me apresentou as formas de culto da deusa dos limiares.
  • Foi Hécate que me ajudou a colocar o dedo na ferida. Eu estava bastante perdida durante a pandemia. Foi um momento de muitos questionamentos do que eu quero para a minha vida em todos os campos. A encruzilhada.
  • Foi Hécate que me ajudou a reconhecer muitas sombras. O complexo de inferioridade e a questão familiar foram os principais pontos que ela me chamou.
Hécate. Artista: Carol Maylius.

VIII) Deméter e Perséfone

  • Foi Hécate que me apresentou a Deméter e Perséfone. Foi lendo o texto “Carvalho, T. R. (2019). Perséfone e Hécate: representação das deusas na poesia grega arcaica, 133 flts. Dissertação de Mestrado, Programa de Pós-Graduação em Letras Clássicas, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade Federal de São Paulo (FFLCH-USP).” que conheci Perséfone.
  • Foi quando li os mitos nos textos clássicos que senti um grande estalo. Era exatamente o que eu estava precisando ouvir. Foi uma virada de chave.
  • O mito do rapto de Perséfone me revelou (e ainda revela) tantos Mistérios que fiquei completamente imersa em seus estudos.
  • Com elas trabalho questões como:
    • A superproteção dos pais;
    • O rapto que o casamento representa separando a fase donzela da fase adulta.
    • O casamento com um homem mais velho;
    • Traumas que marcaram a minha vida;
    • Sombras como baixa autoestima;
    • Ciclicidade e mudanças;
    • Fartura e escassez;
    • Necromancia e oniromancia;
Deusa Deméter

IX) Devocional para Perséfone

  • A senhora dos perfumes, flores, frutos, vida-morte se apresentou como minha deusa matrona.
  • Ela aparecia em leituras oraculares e sonhos no começo. Depois comecei a ver elementos de seus mitos por toda a parte.
  • Ela me ajuda muito com a minha mediunidade através de sonhos. Sonho constantemente com espíritos em situações de sofrimento pedindo por ajuda. Ela já me ajuda com exorcismos e banimentos em sonhos.
  • A sua energia ao mesmo tempo que me transmite um certo medo, afinal, ela é A Terrível, mas também me transmite conforto. Sinto que com ela com preciso ter medo de nada, porque ela me protegerá.
  • Trabalho bastante com ela com a jardinagem mágica, culinária mágica e meditações.
Perséfone

X) Deus-Pai

  • No momento, estou sentindo alguns sinais para eu ir em busca de deuses masculinos.
  • Eu não tenho tanto contato com deuses urânios, as faces das deusas urânias que tenho contato sempre são mais terrenos e ligados ao submundo. Por isso, sinto mais afinidades aos deuses ligados a terra e a morte.
  • Estou aumentando o meu contato com Hermes, Pan, Hades e Dioniso, principalmente. No entanto, sinto eles atuam mais como deuses-guia. Estou confirmando a cada dia que Perséfone e Afrodite são minhas deusas patronas. Elas complementam muito bem a grande parte das questões que preciso lidar. Hécate e Deméter tem facetas bem específicas na minha vida.

Referências

  1. Strengthening your connection with the gods. Disponível em <https://hellenicfaith.com/2019/09/04/strengthening-your-connection-with-the-gods/> Acessado em 23/04/2022.

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