Existe uma aproximação entre o platonismo, neopaganismo e as teorias da psicanálise, uma vez que ambos utilizam o recurso do mito para explicar processos tanto religiosos quanto psicológicos.
Por isso, eu trouxe para vocês alguns conceitos básicos que acabam sendo usados de maneira errada e leviana por muitas pessoas do neopaganismo.
Eu não sou psicóloga, por isso, recomendo fortemente que vá direto nas referências para aprofundar suas compreensões sobre o tema.
É o espaço da psiquê que contém os conteúdos reprimidos ou esquecidos. Ele surgiu antes da consciência.
Um conceito cunhado de maneira errada como se fosse sinônimo de inconsciente é o subconsciente, como se fosse uma consciência abaixo ou inferior a consciência.
Inconsciente Pessoal
Surge a partir das experiências do indivíduo ao longo de sua existência.
Ele é único de cada indivíduo.
Os conteúdos do inconsciente pessoal são aquisições da existência individual.
Seus conteúdos são chamados “complexos de tonalidade emocional” e formam as sombras.
Inconsciente Coletivo
Surge a partir das experiências da humanidade ao longo de sua existência.
É a herança as vivências das gerações anteriores. Ele expressa a identidade de todos os homens, seja qual for a época e o lugar onde tenham vivido.
Compartilhado entre todos os indivíduos.
Seus conteúdos são chamados “arquétipos”, que existem sempre a priori.
Instinto
Comportamentos especificamente formados e com objetivos que ocorrem em diferentes graus de consciência. Agir pelo instinto é agir com base no inconsciente e não na racionalidade da consciência.
Preconsciência e Subconsciente
É um caminho intermediário entre o inconsciente e a consciência.
Nele estão o conteúdo que não fica presente na consciência, mas pode vir a tona na consciência, como as memórias e os conhecimentos armazenados.
Consciência
É quem vivencia as experiências dos inconscientes coletivo e pessoal. Ela é racional, avalia e julga.
ID, Ego e Superego
ID – É a parte da nossa personalidade que visa satisfazer os desejos primários e as necessidades fisiológicas. Reações como choro, ansiedade e tensão são sinais de que precisamos satisfazer o ID.
Ego – É a parte da nossa personalidade que visa satisfazer o ID de forma socialmente aceita, permitindo comportamentos apropriados. É um aspecto da consciência que faz a ligação entre o consciente e o inconsciente. Ele negocia entre o ID e o superego.
Superego – É a parte da nossa personalidade que agrupa os nossos paradigmas morais, regras de conduta e padrões éticos. Ele que diz como fazer um julgamento e saber o que é certo e errado.
Arquétipo
Arquétipo (do grego ἀρχή – arché: “princípio”, “posição superior”; τύπος – tipós: “marca”, “tipo”) é um conceito que representa o primeiro modelo de algo, protótipo, ideias inatas ou antigas impressões sobre algo.
São conteúdos do inconsciente coletivo que surgem por conta de padrões de comportamento gerados a partir das relações mais significativas e repetitivas que a humanidade foi tendo ao longo de sua história. Ele se modifica de acordo com a consciência individual que o manifesta.
Os arquétipos podem se distinguir em:
Imagens de caráter pessoal, que remontam a experiências pessoais esquecidas ou reprimidas, que podem ser explicadas pela anamnese individual;
Imagens de caráter impessoal, que não podem ser incorporados à história de um indivíduo. Correspondem a certos elementos coletivos e hereditários.
Exemplo
As situações do dia-a-dia faz com que certos arquétipos sejam ativados. Como no caso de uma mãe sem experiência prévia que acaba tendo comportamentos semelhantes ao de outras mães, motivada pelo instinto materno. Ao longo do desenvolvimento da humanidade, observa-se um conjunto de comportamento entre mãe e filhos semelhantes que levou a criação do arquétipo de mãe. O arquétipo se constrói ao longo de tempo com as relações pessoais e coletivas que vão ocorrendo. A experiência é individual, mas o plano de fundo que motivou aquela experiência é coletivo.
Símbolos
Símbolo (do grego σύμβολον, symbolon, do verbo symbállein “larçar com”, arremessar ao mesmo tempo) é um objeto físico ou imagem, tendo o seu significado concreto, mas que busca representar algo abstrato, que tem significados além da apenas aparência.
Na Grécia Antiga, o symbolon era um sinal de reconhecimento, um objeto físico dividido em duas partes, que quando os portadores de cada parte se reconheciam ao unir as partes. Ele foi concebido como uma indicação material de identificação ou acordo. O símbolo era uma expressão de um conceito de equivalência. O signo é sempre menor do que o conceito que representa. O símbolo representa sempre mais do que seu significado evidente e imediato.
Essa prática pode ter começado como um lembrete de um acordo de hospitalidade (xenia) que ocorreu e passou a ter ramificações mais amplas.
Uma taça de ouro serviu de símbolo entre o rei persa e um ateniense, sendo dada para lembrar que a hospitalidade foi cumprida. Neste caso, o símbolo era transferível, dando ao seu possuidor o comando sobre bens e dinheiro em toda a Ásia Menor (ou assim foi alegado).
Os símbolos são mencionados em meados do século IV em um tratado entre Atenas e Strato, rei de Sidon. Enquanto o termo cognato símbolo passou a significar um acordo ou contrato (por exemplo, sobre um empréstimo), símbolo normalmente se referia a acordos entre governantes, tratando de relações jurídicas entre indivíduos de diferentes estados, ou entre um estado e um indivíduo.
Símbolos também poderiam ser um objeto onde uma metade deve ser aproximada de sua outra metade para adquirir seu pleno significado. Como uma moeda dividida ao meio.
Símbolos também representações dos arquétipos que estão no inconsciente coletivo ou no inconsciente individual. Por isso, a interpretação do significado dos símbolos depende diretamente do contexto onde ele surgiu. Os seus significados são moldados pelo coletivo e também pelas experiências do indivíduo.
É possível se comunicar com o inconsciente através dos símbolos.
Exemplo
Algumas deusas podem ser consideradas representações da Grande-Mãe e existem símbolos coletivos que remetem a esse arquétipo como o corpo gestante, a Lua Cheia, fertilidade do campo, etc. ou símbolos pessoais provenientes da nossa idealização de mãe, conflitos com a maternidade, exemplos de mães, etc.
Perceba que mesmo o símbolo não é exclusivo de apenas um arquétipo. A Lua Cheia, por exemplo, pode simbolizar a Grande Mãe, mas também contém infinitos outros significados.
Estereótipo
Conjunto de características padrões que descreve o arquétipo.
Exemplo
A Grande Mãe é aquela que traz gera e nutri seu filho. Perceba que a tentativa de descrever um arquétipo automaticamente o torna um esteriótipo. Como o conceito de arquétipo é amplo, ele não pode ser limitado a um conjunto de características. Ele é construído e desconstruído constantemente de acordo com quem o manifesta.
O estereótipo pode se confirmar ou não. Ajuda a fazer interpretações sem o prévio conhecimento das características do indivíduo. Por exemplo: o estereótipo de ladrão. Ele pode se confirmar em alguns casos, te ajudando a sair da situação suspeita. No entanto, isso também pode te levar a julgar erroneamente alguém só porque ela se encaixou no seu estereótipo de ladrão. E, em outros casos, ladrões que atuam de formas diferentes do seu estereótipo podem te enganar.
Deuses são arquétipos? NÃO!
Os deuses não são arquétipos, mas podem atuar como representantes de aspectos arquetípicos.
Por exemplo: o arquétipo da grande-mãe pode ser representado por inúmeras deusas. O instinto materno de uma mãe proteger e amar a sua prole se relaciona com esse arquétipo. Neste caso, por exemplo, Deméter pode ser uma representante do arquétipo de grande-mãe, mas ela não se resume apenas a esse arquétipo, assim como o arquétipo não se resume a Deméter.
O arquétipo é algo muito amplo que não pode ser resumido por uma divindade.
A divindade possui um conjunto de características que não se limita por apenas um arquétipo.
Fontes do inconsciente
Sonhos
Segundo Jung, os sonhos são “produtos espontâneos da psique inconsciente, independentemente da vontade, sendo, por conseguinte, produtos da natureza, puros e não influenciados por qualquer intenção consicente”.
Eles seriam fantasias e muitas vezes instintos reprimidos que tem por objetivo influenciar a mente consciente. Os sonhos se tornam menos frequentes quando eles atingem a consciência.
O significado dos sonhos em grande parte das vezes não é literal porque os símbolos que emergem nos sonhos podem ter significados racionais e terem influência do incosciente pessoal.
Outras fontes
Delírios dos doentes mentais;
Fantasias em estado de transe;
Sonhos da primeira infância (até 5 anos);
Arquétipos de Platão e Jung
Embora a ideia de arquétipo exista desde a Antiguidade, especialmente no pensamento de Platão, foi com os estudos desenvolvidos pelo psicanalista suíço Carl Gustav Jung que o conceito ganhou sua feição contemporânea, aplicável da psicologia às artes.
O filósofo ateniense Platão foi o primeiro a introduzir a palavra arquétipo nos seus diálogos e, com esta, a definir as “formas principais” que, encontradas no mundo das Ideias, dão origem às coisas manifestadas. Portanto, para a filosofia platônica, os arquétipos são causas ontológicas que existem a priori; entidades eternas e subsistentes que se encontram num plano superior ao dos sentidos no mundo das Ideias. Os arquétipos são fixos, imutáveis e, por isso, eternos. São os únicos reais e verdadeiros porque contêm a essência da existência.
Esta essência (ser) é a causa imóvel e quieta de tudo o que existe no mundo manifestado. Por sua vez, a existência está sujeita a constantes mudanças e movimentos contínuos. Como a roda de uma bicicleta cujo centro é fixo e a partir dela os raios estendem-se até à periferia e mantém-na unida ao eixo. A periferia está em movimento e o centro é estável. Todos sabemos que quando o centro, por alguma razão, deixa o seu eixo, a roda perde o seu funcionamento harmonioso; o mesmo acontece no mundo manifestado, quando o centro imutável, o mundo das Ideias, se perde.
Carl Jung usou o arquétipo para definir o conjunto da memória da humanidade que, incluindo os instintos e as experiências vividas no passado, determina os padrões condutores do comportamento humano. Para o médico suíço, os arquétipos não são causas ontológicas, mas sim uma dinâmica que, mesmo que inconsciente, define o padrão que rege o comportamento.
Alguns dos arquétipos mais conhecidos propostos por Jung incluem:
O Self: É o arquétipo central e representa a totalidade da psique. É a busca de integração e autorrealização.
A Persona: É a máscara social que usamos para nos apresentar ao mundo e ocultar aspectos mais profundos de nós mesmos.
A Sombra: Representa os aspectos ocultos, reprimidos e menos desejados de nossa personalidade.
O Anima (no inconsciente masculino) e o Animus (no inconsciente feminino): São os arquétipos do feminino e masculino dentro de cada indivíduo, independentemente do gênero, e desempenham um papel importante na interação entre homens e mulheres.
A Criança Divina: Representa a inocência, a pureza e a criatividade inata do ser humano.
O Velho Sábio: Personifica a sabedoria, a orientação e o conhecimento acumulado.
A Grande Mãe: Simboliza a maternidade, a nutrição e o aspecto protetor da feminilidade.
O Herói: Representa a jornada de busca, superação de desafios e a conquista de algo significativo.
Todas as pessoas possuem todos os arquétipos, uma vez que as pessoas são os agentes criadores dos arquétipos a partir de suas relações coletivas ou individuais. Cada pessoa vai ativar um arquétipo de maneira diferente devido às suas experiências individuais.
Você pode acreditar ou não na existência de deuses como seres individuais que existem e possuem suas próprias características. Nessa perspectiva, eles também possuem todos os arquétipos.
Você pode optar por basear a sua prática na visão de que os deuses são apenas símbolos de arquétipos e trabalhar no desenvolvimento de um conjunto de arquétipos em detrimento de outros.
Limitar uma pessoa ou divindade a um arquétipo devido a um comportamento ou modo de se expressar é criar estereótipos por falta de conhecimento do termo, ou seja, preconceito.
Referências
Jung, C. G. Os arquétipos e o inconsciente coletivo. Petrópolis, RJ: Vozes, 2000.
Jung, C. G. Aion – Estudos sobre o simbolismo do Si-mesmo. Petrópolis: Vozes, 1982.
Brandão, J. S. Mitologia grega. Volume 1. 26 ed. Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, 2015.
Playlist “Arquétipos” do canal no youtube “Conhecimentos da Humanidade”.