Eu sou uma moradora de São João de Meriti, uma cidade na periferia do estado do Rio de Janeiro. Nasci de um pai baiano e uma mãe carioca. A minha família me criou cercada de costumes e práticas que infelizmente são comuns no Brasil. O pai é o chefe da casa, machista, violento, não existem regras para ele, sua palavra é lei. A mãe submissa, dona de casa, que teve os sonhos engavetados para construir uma família. Eles não eram felizes e isso percebi desde cedo.
O meu sonho de adolescente era ter um emprego e sair da casa dos meus pais. Morar bem longe deles. Sob a desculpa de “proteção” tive uma vida muito podada de experiências de descoberta que me transformou em uma pessoa muito insegura e dependente.
Quando cheguei na oitava série, conheci uma amiga que me apresentou a colégios de excelência que eram públicos. Esse se tornou o caminho mais próximo para a minha liberdade. No entanto, para isso, era preciso passar em um processo seletivo difícil que exigiria que eu entrasse em um preparatório para tirar a defasagem do ensino que tive até o momento. O meu pai foi contra pagar o preparatório. Felizmente passei em um processo de bolsa e consegui entrar no curso.
Em 2009, eu estudava no preparatório pela manhã e no colégio pela tarde. Chegava a noite e fazia todos os exercícios e trabalhos. Eu fiquei em um ano bastante isolada e meu corpo físico quase definhou. Eu entrei em um desequilíbrio doentio, foi o auge da minha perda de peso.
Apesar do desequilíbrio físico-mental-emocional, consegui passar nos colégios e comecei a cursar o ensino-médio junto com um técnico de química com ênfase em controle ambiental em 2010. Nesse colégio fiquei por 4 anos.
Em 2010 também comecei o meu namoro com o meu Hades, tornando-se o meu marido em 2014.
O ano de 2014 foi marcante na minha vida também comecei a cursar Ciências Biológicas. Na graduação fiquei por 6 anos, recebendo o título de licenciatura e de bacharelado em genética.
Neste mesmo ano passei no concurso público para trabalhar como técnica de laboratório em um museu de história natural, o mesmo que trabalho até hoje.
Em 2020 comecei a o mestrado em microbiologia marinha e veio a pandemia tornando ele ainda mais difícil, mas que foi concluído em 2022, na véspera do dia dos mortos.
201320192022Formatura no ensino médio técnico (2013), formatura na graduação (2019) e formatura no mestrado (2022).
Trajetória no mundo espiritual
Eu iniciei na bruxaria na minha adolescência, por volta de 2008, com meus 13 anos. Os meus estudos se centraram na Wicca devido a grande disponibilidade de material dessa senda não-cristã. Estudava bastante sobre animais de poder, viagens astrais e oráculos.
Eu colecionava inúmeras revistas do jornaleiro da Eddie Van Feu. Por muito tempo era a única fonte de leitura que eu tinha acesso já que eu não tinha muito dinheiro e nem internet disponível. Ganhei o meu primeiro tarot que foi um deck de Marselha e já comecei a fazer jogos para amigos na escola.
Ao mesmo tempo, por conta do meu pai, eu comecei a catequese e fiz crisma também. Eu tinha uma devoção a Maria como uma deusa mãe e incluía elementos cristãos na minha prática. Inclusive foi logo depois que me tornei professora de catequese.
Quando comecei a namorar com o meu Hades, comecei a frequentar a igreja dele, uma Igreja Batista que se dizia bastante progressista (até a página 2). Foi quando decidi sair da igreja católica e frequentar apenas a igreja protestante.
Tudo isso, conciliando os estudos de bruxaria. Eu sentia que essa minha parte tinha que ficar escondida por conta dos preconceitos familiares.
Eu me afastei bastante da bruxaria durante o ensino médio depois que tive um episódio espiritual que me deixou com bastante medo. Isso em uma vivência cristã e sem orientação adequada, resultou na destruição de tudo que eu tinha relacionado a bruxaria. Tarot, livros, tudo foi queimado. Hoje lembro disso e me arrependo profundamente. Fico pensando como eu estaria se tivesse permanecido na bruxaria.
Na faculdade e após o casamento, o afastamento foi completo, inclusive do cristianismo porque percebi o quanto limitada era a minha visão sobre a sociedade e que a igreja só aumentava ainda mais essas limitações.
Héspera, a psicopompa
Eu digo que a Héspera sempre existiu dentro de mim. Só que apenas em 2020, com uma pandemia pude me dar conta de sua existência e do quanto ela estava precisando ser alimentada.
Com o término da faculdade, percebi que tinha me desequilibrado demais. Eu só trabalhava e estudava. Realmente foi um período que exigiu muito de mim. Eu não sabia fazer nada que não fosse obrigação.
Após muita terapia percebi que a falta da espiritualidade também contribuía para esse desequilíbrio, além também de voltar a cultivar amizades verdadeiras.
Foi então que pensei: estou mais madura e já tenho a minha casa. Não tem porque eu não trazer a bruxa dentro de mim para o mundo. Só que sair do armário das vassouras foi algo muito difícil. A família do meu marido tinha me conhecido apenas como cristã. Os meus colegas do trabalho não conversavam sobre religião.
Nesse momento que entendi que seria mais fácil a saída do armário de vassouras se eu tivesse contato com outros bruxos e pudesse compartilhar minhas descobertas sem medo de julgamentos. Foi então que conheci o conceito de persona mágica.
Entenda melhor o que é o armário de vassouras aqui.
Entenda melhor como funciona a relação entre bruxas e cristãos.
Entenda melhor as questões que envolver ser uma bruxa com criação cristã.
A pandemia de COVID-19 teve proporções inesperadas e para mim não foi diferente. Os meus planos de mestrado foram todos por água abaixo. Eu acabei ficando 100% em home office por quase 1 ano junto do meu marido. Nesse tempo, muitas sombras foram desenvolvidas, ansiedades e pude refletir bastante sobre minhas prioridades e como eu estava empregando o meu tempo.
Hoje vejo que foi fundamental para eu saber colocar o valor e energia nos lugares certos e sinto que estou cada vez mais próxima da minha verdadeira vontade.
Eu fiquei bastante travada para as obrigações do mestrado e nesse momento eu passava por muitas experiências espirituais importantes. Muita coisa mudou em pouco tempo. Eu tive a oportunidade de mergulhar e dedicar um tempo que jamais conseguiria em um contexto normal. Eu amei o tempo que tive para ler, aprender e vivenciar a bruxaria novamente.
Sinto que entre 2020 e 2022 eu pude mergulhar com uma sede incrível, como se o meu corpo quisesse tirar os 10 anos de atraso. Foi um hiperfoco incrível. O difícil foi voltar a normalidade em 2023 já terminado o mestrado e voltando ao trabalho presencial.
Fig. 1Fig. 2Fig. 3Héspera (figura 1), seu primeiro altar a Perséfone (figura 2) e seu casamento com seu Hades (figura 3).
Quem é a Héspera hoje?
Eu mudo constantemente e não gosto tanto de me colocar em caixas, mas sei que é algo importante para representatividade e pertencimento, então lá vão algumas caixas:
Sou uma mulher cis, periférica, parda, bissexual e demissexual;
Sou bruxa porque me reconheço como mulher herege e que não deseja entrar em padrões de corpo, amor e espiritualidade. Além disso, busco pela liberdade dos corpos e pelo direito de ser diversa;
A minha espiritualidade tem como ponto de partida a fé helênica. O panteão e as práticas da Grécia Antiga são a base conceitual da minha feitiçaria e da minha devoção. Não me considero reconstrucionista porque considero o termo anacrônico e eu faço muita coisa também além de helenismo. Não sigo todos os preceitos da cultura helênica, meu foco é na espiritualidade helênica.
Sou feiticeira, acredito que os deuses também me concedem autonomia para lidar com fluxos energéticos ao meu favor. Entendo os feitiços como forma de reconhecer o meu poder e independência. A minha devoção aos deuses é baseada na relação recíproca e genuína e não em uma troca de favores interesseira e egoísta.
Sou politeísta, entendo a existência de diferentes deuses de diferentes panteões. Na minha prática tenho devoção a diferentes deuses helênicos, mas meu culto gira em torno de Perséfone, por conta disso, dediquei o meu sacerdócio aos seus mistérios.
Sou sacerdotisa, sendo o meu trabalho comunitário na construção do blog para transmissão de conhecimentos de forma acessível, ofereço orientações de práticas devocionais e consultas oraculares.
Membro do coven Sangue de Romã que nasceu no equinócio de primavera de 2022.
Conheça nesse texto o que é a fé helênica para compreender melhor qual é o paradigma que dá base as minhas práticas.
Conheça nesse texto o que é bruxaria para entender melhor porque eu me considero uma bruxa pagã.
Conheça neste texto como foi a minha jornada de começo na bruxaria, assim como aconteceram as minhas primeiras conexões com divindades.
Proposta do Submundo Periférico
O Submundo Periférico nasceu junto da Héspera, no equinócio de primavera de 2021, a partir de uma necessidade de expressar livremente as minhas vivências como bruxa e devota de deuses gregos.
Percebi que diferente da minha fase inicial na bruxaria, agora com as redes sociais e internet mais acessível, se tem muito conhecimento superficial sendo criado e acaba sendo difícil de ser filtrado.
Também percebi que pessoas periféricas não conseguem se apropriar de suas práticas por estarem isolados de outras pessoas com práticas semelhantes. A internet seria uma boa ferramenta para diminuir essas distâncias.
Por isso, busquei trazer para cá os meus estudos da melhor forma possível para aprender mais, ter uma disciplina maior e também criar união entre os periféricos.
O foco por aqui é mostrar que os periféricos tem muito poder quando estão juntos. Com isso, busco trazer conteúdo de forma acessível e clara.
A bruxaria, feitiçaria e as práticas oraculares são caminhos de autonomia e liberdade dos corpos. Espero que consigam se munir de conhecimentos para poderem brilhar. Estamos com outras pessoas não por obrigação e sim porque somos mais fortes juntos. Quem tentar apagar nosso brilho que fiquem espertos!
Entenda como buscar por textos confiáveis na internet.
Conheça os espíritos gregos aqui.
Entenda mais sobre feitiçaria aqui.
Eu entendo que estamos em uma jornada de integração com muitas sombras e que precisamos aprender com elas para não nos sentirmos tão limitados e então possamos nos tornar cada vez melhores versões de nós mesmos.
Fiquem a vontade para entrarem nesse submundo banhado de simplicidade e transformações. Acompanhem os meus ciclos nesse plano até eu chegar aos braços da minha mãe.
Conheça o nosso Submundo Periférico no Youtube!
E, por que Héspera? Uma das ninfas do entardecer que traz as belas cores do pôr-do-sol que precedem a escuridão da noite. O limiar mais belo que podemos ter diariamente.