Hino Homérico II a Deméter
Contexto
- O Hino Homérico II a Deméter faz parte de uma coletânea de 33 hinos para diferentes divindades gregas, onde dois hinos são reservados a Deméter (hinos II e XIII);
- A estimativa é que tenham sido escritos entre os séculos VII e VI AEC;
- A autoria destes hinos é atribuída ao poeta Homero, escritor da Ilíada e Odisséia. Não se tem precisão que ele seja uma pessoa fictícia ou realmente tenha existido.
- Contexto
- Hino Homérico II a Deméter
- As Campinas
- O Rapto
- Hécate e Hélio
- A busca de Deméter
- Relato de Hécate
- Súplica de Deméter a Hélio
- Relato de Hélio
- Fúria de Deméter
- Cidade de Elêusis
- Conversa entre filhas de Celeu e Deméter
- Resposta de Calídice para Deméter
- Pedido de Metaneira para Deméter
- Deméter cuida de Demofonte
- Deméter quer tornar Demofonte imortal
- Metaneira impede Deméter
- Deméter se revela como deusa
- Templo dedicado a Deméter em Elêusis
- A infertilidade causada por Deméter
- Mensagem de Zeus para Deméter
- Zeus decide devolver Perséfone para Deméter
- Mensagem de Zeus para Hades
- Hades oferece a romã para Perséfone
- Retorno de Perséfone para a superfície
- Saudação de Deméter para Perséfone
- Versão de Perséfone contada a Deméter
- Hécate se torna companheira de Perséfone
- Decreto de Zeus
- Retorno da fertilidade
- Estabelecimento dos Mistérios de Elêusis
- Referências
Hino Homérico II a Deméter
As Campinas
Deméter de belos cabelos, deusa veneranda, começo a cantar,
e também sua filha de finos tornozelos, a que Aidoneu
raptou, com consentimento de Zeus altissonante de amplos olhos.
Longe de Deméter frutífera de espada dourada
brincava a menina com as Oceaníades de colo profundo,
colhendo flores, rosas e crocos e belas violetas,
de uma macia campina, e também iríses e jacintos
e um narciso, preparado como dolo à rosada menina
por Gaia, por vontade de Zeus, para agradar ao que todos recebe,
brilhante maravilha, majestoso a todos que o vissem,
fossem deuses imortais ou homens mortais.
De sua raiz nasciam cem corolas,
todas perfumadas – e todos acima no vasto céu,
na terra e no mar de ondas salgadas riram.
O Rapto
A menina, fascinada, esticou ambas as mãos
para colher o belo brinquedo; e então abriu-se o chão na ampla
planície de Nísia e dele surgiu o senhor que muitos recebe,
em cavalos imortais, o muito nomeado filho de Crono.
Tomou-a contra sua vontade e em sua carruagem dourada
levou-a chorando; ela em voz alta gritou,
clamando ao pai Cronida, supremo e mais nobre.
Hécate e Hélio
Nenhum dos imortais nem dos homens mortais
ouviu a voz, nem as frutíferas oliveiras,
senão a delicada e sempre prudente filha de Perses,
Hécate de véu brilhante, de sua caverna
e o soberano Hélio, reluzente filho de Hiperônio,
da menina clamando pelo pai Cronida. Mas ele longe
sentava-se, longe dos deuses, em templo de muitos suplicantes
recebendo belos sacrifícios dos homens mortais.
E ela contra a vontade foi levada por sugestão de Zeus,
pelo irmão do pai, o que muitos comanda e recebe,
em cavalos imortais, o muito nomeado filho de Crono.
Portanto, enquanto a terra, o céu estrelado
e o mar fluido rico em peixes a deusa contemplasse,
e também a luz do sol, ainda esperaria a mãe querida
ver e se juntar aos deuses eternos;
pois a esperança enfeitiçava-lhe a grande mente, embora sofresse
A busca de Deméter
Ressoou, então, no topo das montanhas e no fundo do mar
a voz imortal, a qual ouviu a mãe soberana.
Dor lancinante tomou-lhe o coração, e dos cabelos
ambrósios com as mãos arrancou o véu
e o manto azul escuro lançou aos ombros,
pondo-se em movimento qual ave de rapina pela terra nutriz e o mar molhado,
procurando. Ninguém a verdade lhe queria
contar, nem dentre deuses, nem dentre homens mortais,
e nem lhe veio uma ave mensageira da verdade.
Assim, por nove dias a soberana Déo pela terra
vagou carregando tochas acesas nas mãos,
e nem da ambrosia nem do doce néctar
provou em seu pesar, nem a pele banhou.
Relato de Hécate
Contudo, com a chegada da luz de Eos no décimo dia,
Hécate a encontrou com uma tocha nas mãos
e anunciando claramente com palavras, disse:
“Deméter soberana, concedente das estações e esplêndidos dons,
quem dentre os deuses celestes ou dos homens mortais
raptou Perséfone e teu ânimo querido encheu de pesar?
Pois escutei uma voz, embora não tenha visto com meus olhos
quem era. A ti falo sem demora toda a verdade”.
Assim falou Hécate, e não lhe respondeu com palavras
a filha de belos cabelos de Reia, mas logo com ela
apressou-se, carregando tochas acesas nas mãos.
Súplica de Deméter a Hélio
Foram até Hélio, guardião dos deuses e também dos homens,
prostraram-se diante de seus cavalos, e disse a deusa entre deuses:
“Hélio, sendo deus, respeita-me como deusa, se alguma vez
com palavras ou atos teu coração e teu ânimo aqueci.
A menina que pari, meu doce broto glorioso,
sua alta voz ouvi pelo ar estéril,
como se forçada, embora não tenha visto com meus olhos.
Mas tu, é claro, tudo na terra e no mar
do alto do ar observas com teus raios,
a verdade me contes, se vistes minha filha
e quem a levou para longe de mim contra sua vontade,
carregando-a, se um dos deuses ou dos homens mortais”.
Relato de Hélio
Assim falou, e respondeu-lhe o Hiperônio com palavras:
“Filha de belos cabelos de Reia, senhora Deméter,
saberás: de fato, muito me impressiono e apiedo
do teu aborrecimento acerca da filha de finos tornozelos. Nenhum
outro dos imortais é culpado se não Zeus acumulador de nuvens,
que a deu a Hades para que a chamasse de jovem esposa,
seu próprio irmão – ele que para a treva nevoenta
a levou em seus cavalos, conduzindo-a enquanto chorava copiosamente.
Mas, deusa, dê fim a seu grande lamento: não precisas
em vão manter terrível cólera. De certo não acharás impróprio
ter genro entre imortais como Aidoneu que muitos comanda,
teu próprio irmão de pai e mãe. E quanto à honra,
ele obteve sua parte quando, no princípio, a divisão trina foi feita:
ser comandante daqueles que lhe foram designados”.
Fúria de Deméter
Assim falando, exortou os cavalos, sob ameaça,
ligeiros, enquanto puxavam rapidamente o carro, quais aves de longas asas.
Dor terrível e impudente tomou o ânimo de Deméter.
Assim tendo se irritado com o Cronida de negras nuvens,
virou as costas para a assembleia divina e o grandioso Olimpo
e dirigiu-se às cidades dos homens e seus ricos campos,
mitigando sua forma por muito tempo – nenhum dos homens
nem das mulheres de fundas cinturas que a vissem a reconheceriam,
e chegou primeiro ao palácio do sábio Celeu
que à época era rei da fragrante Elêusis.
Cidade de Elêusis
Com o coração pesaroso, sentou-se na beira da estrada, junto
ao poço Partênio, do qual os cidadãos coletavam água
na sombra, pois acima dele crescera um galho de oliveira,
assemelhando-se a uma idosa senhora, que do parto
e dos dons da bem-coroada Afrodite já fora excluída,
como eram as nutrizes dos filhos dos reis ministros das leis
e as governantas dos soantes palácios.
Viram-na as filhas de Celeu, filho de Eleusino,
indo buscar a água de fácil coleta, a fim de carregá-la
em vasos de bronze até o palácio paterno,
eram quatro, símias a deusas, e possuíam a flor da mocidade,
Calídice, Cleisidíce, amável Demo
e Calítoe, que era a mais velha dentre elas.
Porém, não a reconheceram: aos mortais é difícil perceber os deuses.
Conversa entre filhas de Celeu e Deméter
Então, aproximaram-se e palavras aladas lhe dirigiram:
“Quem és e de onde vens, ó velha, anciã entre os homens?
Por que foste para longe da cidade e das casas não
se aproximastes? Lá há mulheres nos quartos escuros
tão idosas quanto tu e também mais novas por nascimento
que a receberiam, com palavra ou ação”.
Assim falaram, e a deusa soberana dirigiu-se a elas em resposta:
“Filhas queridas, quem quer que sejais entre femininas mulheres,
salve! Contarei-vos, pois não me é indecoroso
responder com verdade ao que me perguntais.
Meu nome é Dosó, dado por minha mãe venerável.
Agora, então, do vasto dorso do mar de Creta
venho, não por querer, mas obrigada por constrangedora força
de homens saqueadores que me levaram. Em seguida,
em ágil nau aportaram em Tórico. Ali, as mulheres
foram à terra fértil e também os homens, todos juntos,
e refeição prepararam ao lado da popa da nau.
Mas meu doce ânimo não desejava alimento,
e secretamente impelindo-me pela negra terra
fugi dos arrogantes líderes, a fim de que,
sem resgate, me vendessem como escrava, para receber o dinheiro.
Assim, aqui cheguei, vagando, sem saber
que terra é esta e quem nela nasce.
Que todos os que o palácio do Olimpo habitam vos
deem maridos legítimos e gestações de crianças
como desejam os genitores. Apiedem-se de mim, moças,
e de bom grado, filhas queridas, à casa de quem vá
de homem e de mulher, para que possa para eles trabalhar
solícita, realizando as tarefas das mulheres idosas.
E tendo-a em meus braços, da criança recém-nascida
cuidaria belamente e o palácio guardaria
e o leito arrumaria no íntimo do quarto bem construído
do senhor, e os trabalhos às mulheres ensinaria”.
Resposta de Calídice para Deméter
Assim falou a deusa, e imediatamente respondeu-lhe a virgem indomada,
Calídice, em aparência a mais excelente das filhas de Celeu:
“Mãe, certamente, os presentes dos deuses, mesmo aflitos,
os homens suportam por necessidade – pois eles são muito melhores do que nós.
Mas isto claramente te direi e chamarei pelo nome
os homens que aqui estão acima, de grande poder e honra,
proeminentes na região, que as muralhas da cidade
protegem com vontade e reta justiça.
Triptólemo prudente e também Díocles,
Políxeno e Eumolpo irrepreensível,
Dolico e nosso pai destemido,
Mas isto claramente te direi e chamarei pelo nome
os homens que aqui estão acima, de grande poder e honra,
proeminentes na região, que as muralhas da cidade
protegem com vontade e reta justiça.
Triptólemo prudente e também Díocles,
Políxeno e Eumolpo irrepreensível,
Dolico e nosso pai destemido,
e as esposas de todos ocupam-se de suas casas.
Nenhuma delas, à primeira vista tua
aparência desonrando, te afastaria de suas casas,
mas te receberiam: pois é símil aos deuses.
Se quiseres, espera, para que ao palácio paterno
possamos ir e a nossa mãe Metaneira de funda cintura
contemos todas essas coisas sem pausa, se acaso recomende
que vás a nossa casa e não procures a de outros.
No palácio bem construído seu querido filho
temporão é nutrido, muito desejado e bem-vindo.
Se tu o criasses e ele à medida da juventude chegasse
facilmente, qualquer das mais femininas mulheres tendo-te visto
invejaria e vastamente te retribuiria pela criação”.
Assim falou. Deméter aquiesceu, e elas se
afastaram, carregando os brilhantes jarros d’água, após enchê-los.
Rapidamente dirigiram-se à grandiosa casa paterna e de pronto
à mãe contaram o que viram e ouviram. E logo se foram,
pois a mãe mandou que a chamassem para incontável recompensa.
E elas, como corças ou novilhas na época de primavera,
que se precipitam à campina, após saciarem o peito na pastagem,
assim, tendo segurado as dobras das vestes desejáveis,
desceram pela trilha da colina, com os longos cabelos em ambos
os ombros caindo, assemelhando-se às flores de crocos.
Encontraram a gloriosa deusa exatamente onde a
deixaram, e ao querido palácio paterno
a conduziram. Deméter, com seu coração pesaroso, atrás delas
seguiu, coberta da cabeça aos pés, o manto
azul escuro enrolando-se nos tornozelos esguios da deusa.
Rápidas, dirigiram-se ao palácio de Celeu, nutrido por Zeus,
e seguiram pelo corredor até a mãe soberana,
sentada em seu muito bem feito quarto superior,
tendo no colo o filho, broto novo. As moças até ela
correram e Deméter, ao tocar com os pés a soleira, o teto
com a cabeça tocou e encheu a porta de chama divina.
Respeito, reverência e verde medo tomaram Metaneira;
ergueu-se de seu assento e instou-a a se sentar.
Contudo, Deméter, concedente das estações e esplêndidos dons,
não quis se sentar no assento brilhante,
mas, silenciosa, permaneceu com os belos olhos lançados
para baixo, até que a devotada Iambe pôs-lhe
um banco bem construído, cobrindo-o com um cobertor argênteo.
Após ali sentar-se, segurou com as mãos o véu,
e por muito tempo ficou sem fala, prostrada sobre a cadeira,
sem cumprimentar ninguém nem por palavra nem ação,
mas sem rir e sem provar de comida ou bebida
permaneceu, extinguindo-se de saudade da filha de funda cintura,
até que a devotada serva, intervindo com
muita troça fez a sagrada soberana
sorrir, rir e ter ânimo propício.
Assim, portanto, Iambe agradou o humor de Deméter.
Pedido de Metaneira para Deméter
Então, Metaneira deu a ela um cálice cheio de vinho doce como
mel, mas Deméter o recusou, pois disse que não lhe era lícito
beber vinho tinto, e pediu que cevada e água
lhe desse para que bebesse, misturados com leve hortelã.
Após preparar a mistura, ofereceu-a à deusa, como pediu;
e a mui soberana Déo aceitou-o, conforme o rito,
e Metaneira de bela cintura proferiu as palavras:
“Salve, ó mulher! Suponho que de pais vis não
sejas, mas sim de nobres, e de teus olhos sobressaem reverência
e graça, como se decerto fossem de reis ministros das leis.
Mas, certamente, os presentes dos deuses, mesmo aflitos,
devem os homens suportar – pois o jugo jaz em nosso pescoço.
Então, aqui chegaste agora, e o quanto eu possuo está a tua disposição.
Nutra este meu filho, o mais novo e inesperado que os
deuses enviaram, muito desejado por mim.
Se tu o criasses e ele à medida da juventude chegasse
facilmente, qualquer das mais femininas mulheres tendo-te visto
invejaria e vastamente te retribuiria pela criação”.
Deméter cuida de Demofonte
A ela, em seguida, se dirigiu Deméter bem-coroada:
“Também a ti muito saúdo, mulher, que os deuses te proporcionem bens.
O filho, com boa vontade, acolherei como me pedes;
nutri-lo-ei e espero que nem por insensatez de nutriz,
nem por feitiço ou obstáculo ele seja prejudicado.
Pois conheço um antídoto mais poderoso do que a erva mágica,
e bom amuleto para feitiços perniciosos”.
Assim tendo falado, trouxe-o ao seio perfumado
com as mãos imortais – e o peito de mãe se alegrou.
Assim o esplêndido filho do sensato Celeu,
Demofonte, gerado por Metaneira de bela cintura,
ela nutriu no palácio; e ele crescia símil a uma divindade,
sem consumir alimento ou ser amamentado.
… Deméter [fragmentação]
o besuntava de ambrosia como se fosse nascido de um deus,
enviando-lhe sopro agradável e segurando-o junto ao colo.
À noite o cobria em fogo como tição
às escondidas dos caros pais: para eles era um grande espanto
como crescia precocemente, aos deuses assemelhada a face.
Deméter quer tornar Demofonte imortal
A ela, em seguida, se dirigiu Deméter bem-coroada:
“Também a ti muito saúdo, mulher, que os deuses te proporcionem bens.
O filho, com boa vontade, acolherei como me pedes;
nutri-lo-ei e espero que nem por insensatez de nutriz,
nem por feitiço ou obstáculo ele seja prejudicado.
Pois conheço um antídoto mais poderoso do que a erva mágica,
e bom amuleto para feitiços perniciosos”.
Assim tendo falado, trouxe-o ao seio perfumado
com as mãos imortais – e o peito de mãe se alegrou.
Assim o esplêndido filho do sensato Celeu,
Demofonte, gerado por Metaneira de bela cintura,
ela nutriu no palácio; e ele crescia símil a uma divindade,
sem consumir alimento ou ser amamentado.
Metaneira impede Deméter
E imortal o faria, privado da velhice,
não fosse pela insensatez de Metaneira de bela cintura,
que à noite, tendo-os espreitado do quarto perfumado,
viu. Gritou, e ambas as coxas golpeou,
temendo por seu filho, e no ânimo foi tomada de grande loucura
e, gemendo, palavras aladas proferiu:
“O filho Demofonte a hóspede com muito fogo
encobre, e a mim dá lamento e luto funesto”.
Assim falou chorando, ao que notou-a a deusa entre deuses.
Deméter de bela coroa, enfurecendo-se com ela,
o filho querido, gerado no palácio inesperadamente,
com as mãos imortais pôs no chão,
tirando-o do fogo, com ânimo muito terrivelmente irritado,
enquanto dizia à Metaneira de bela cintura:
“Os homens são néscios e insensatos, nem quando bom
nem quando ruim compreendem o destino vindouro:
tu também, em tua insensatez, causaste dano incurável.
Decreto, pois, o juramento dos deuses, água implacável do Estige,
certamente, pela eternidade, imortal e privado da velhice
teria feito o filho caro e honra imperecível lhe teria concedido.
Mas agora não há como da morte e do infortúnio escapar,
honra imperecível, porém, sempre terá, porque em meus joelhos
esteve e em meus braços dormiu.
E quando seu ciclo de estações findar,
os filhos de Elêusis, com combate e clamores terríveis,
estarão reunidos uns com os outros eternidade afora.
Sou a honrada Deméter, a que grande
vantagem e regozijo traz a imortais e mortais.
Conduz-me ao grande templo e sob ele um altar
erga o povo, sob a cidade e a alta muralha,
no alto do Calícoro, proeminente colina.
Eu mesma os ritos instituirei para que depois,
realizando-os impecavelmente, minha mente se torne propícia”.
Deméter se revela como deusa
Assim falou a deusa, e o porte e o aspecto mudou,
tendo repelido o de anciã, soprando beleza ao redor.
Perfume atraente de seus véus fragrantes
exalava, e ao longe a luz da pele imortal da deusa
resplandecia, os cabelos dourados cresceram sobre os ombros,
e um brilho encheu o sólido palácio, como raio.
Metaneira correu pelo palácio, caindo de joelhos de uma vez,
e por muito tempo permaneceu muda, sem nem
do filho querido lembrar de pegar do chão.
Seu grito digno de pena ouviram as irmãs,
que correram a preparar-lhe um leito bem disposto; uma delas, então,
o menino pegou nos braços, colocando-o no colo,
outra o fogo atiçou, e outra os macios pés acelerou
para levantar a mãe dos aposentos perfumados.
Juntas o lavaram completamente, embora esperneasse,
abraçando-o com carinho – mas seu ânimo não acalmou,
pois eram inferiores às amas que o carregavam e nutriam.
Templo dedicado a Deméter em Elêusis
A noite inteira tentaram apaziguar a gloriosa deusa,
tomadas de medo; e assim que a aurora apareceu,
ao poderoso Celeu falaram verazmente,
como ordenava a deusa Deméter de bela coroa.
E ele à ágora chamou seu povo incontável
e ordenou que a Deméter de belos cabelos templo opulento
construíssem e um altar na proeminente colina.
E muito rapidamente o escutaram e obedeceram ao que ele disse,
e prepararam tudo como ordenara: e o filho cresceu por vontade da deidade.
Logo depois, tendo cumprido e descansado da tarefa,
foram cada um para sua casa. Mas a áurea Deméter,
lá se sentando, longe de todos os bem-aventurados
permanecia, extinguindo-se de saudade da filha de funda cintura.
A infertilidade causada por Deméter
Mais terrível ano sobre a terra nutriz
fez aos homens, e também o mais cruel, e à terra nenhuma
semente enviava, pois escondia-a a bem-coroada Deméter.
Muitos arados curvos em vão os bois arrastavam pelos campos,
e muita cevada branca à terra caiu sem propósito.
Teria destruído completamente a raça dos homens falantes
de fome dolorosa, e dos prêmios, da gloriosa honra
e dos sacrifícios teria privado os que têm palácios no Olimpo,
se Zeus não tivesse percebido e tramado em seu ânimo.
Mensagem de Zeus para Deméter
Primeiro, Íris de asas douradas incitou a chamar
Deméter de belos cabelos e forma mui amável.
Assim falou. E Íris a Zeus Cronida de negras nuvens
obedeceu e rapidamente pelo meio correu com seus pés.
Chegou à fragrante cidadela de Elêusis
e encontrou Deméter de escuro peplo no templo,
e a ela se dirigiu proferindo palavras aladas:
“Deméter, chama-te Zeus pai, que coisas imperecíveis conhece,
para que vá à assembleia dos deuses eternos.
Mas vem, que não fique sem cumprimento minha palavra, vinda de Zeus”.
Assim falou, suplicante, mas o ânimo de Deméter não foi persuadido.
Então, de novo o pai enviou os deuses bem-aventurados que sempre são,
um após o outro; e sucessivamente
chamavam-na e ofereciam muitos presentes belíssimos
e honras, as que quisesse escolher dentre deuses imortais.
Mas ninguém conseguia persuadir seu espírito nem sua mente,
estando o ânimo colérico, firmemente recusava suas palavras.
Pois no Olimpo perfumado afirmava que
não poria os pés e nem fruto à terra enviaria,
sem antes ver com seus olhos a filha de belos olhos.
Zeus decide devolver Perséfone para Deméter
Depois de ouvir isso, Zeus altissonante de amplos olhos
ao Érebo enviou o Argifonte de bastão dourado
para que com suaves palavras exortasse Hades a
conduzir a nobre Perséfone da treva nevoenta
para a luz às divindades, a fim de que sua mãe,
vendo-a com seus olhos, findasse sua cólera.
E Hermes não o desobedeceu, mas direto às profundezas da terra
desceu com pressa, deixando seu assento olímpio.
Mensagem de Zeus para Hades
Alcançou o senhor do palácio em seu interior,
sentado ao leito com sua esposa veneranda,
muito contrariada, com desejo da mãe,
julgando as ações dos deuses bem-aventurados.
O poderoso Argifonte, parando a seu lado, a ele se dirigiu:
“Hades de escuros cabelos, rei dos que pereceram,
Zeus pai me ordenou que a ilustre Perséfone
conduzisse do Érebo à luz, para que sua mãe,
vendo-a com seus olhos, a cólera e a ira terrível
cesse contra os imortais. Pois ela trama grande trabalho,
destruir a raça efêmera dos homens da terra,
escondendo a semente sob a terra, aniquilando as honras
dos imortais. Carrega cólera terrível, e nem aos deuses
se mistura, mas longe em seu templo docemente perfumado
está, na rochosa cidadela de Elêusis”.
Hades oferece a romã para Perséfone
Assim falou. E o Aidoneu, senhor dos mortos, sorriu
com desdém, mas não desobedeceu às ordens de Zeus rei.
Impetuosamente ordenou à sensata Perséfone:
“Vai, Perséfone, para junto de tua mãe de escuro peplo
e em teu peito gentileza e força tendo,
não te entristeças demais pelos outros.
Certamente não acharás vergonhoso ser esposa do próprio irmão
de Zeus pai, dentre imortais; aqui estando
governarás tudo quanto viva e se mova,
e as maiores honras terás dentre imortais.
Todos os dias retribuição haverá aos que te injustiçarem
e não apaziguarem tua ira com sacrifícios,
puros se fazendo e te oferecendo dons ominosos”.
Assim falou, e alegrou-se a prudente Perséfone,
e logo pulou de felicidade. Mas ele
semente de romã doce como mel deu-lhe secretamente para comer,
observando ao redor, para que não ficasse para sempre
lá ao lado da veneranda Deméter de escuro peplo.
Retorno de Perséfone para a superfície
E à frente da carruagem dourada Aidoneu
que muitos comanda os cavalos imortais atrelou.
Perséfone subiu na carruagem, ao lado do poderoso Argifonte
que a rédea e o chicote segurava com as mãos, e com afeição
impeliu-os pelo palácio – e os dois, não forçados, voavam.
Ligeiramente o longo caminho terminaram, e nem o mar
nem água dos rios, nem vales gramados,
nem os picos das montanhas detiveram o avanço dos cavalos imortais,
mas voando sobre eles cortavam a densa bruma.
O condutor levou-os até onde estava Deméter bem-coroada,
em frente ao templo perfumado, e tendo-a visto
precipitou-se qual louca montanha abaixo até a densa floresta.
Saudação de Deméter para Perséfone
Perséfone, por sua vez …
sua mãe descendo …
saltando e corren[do] …
e ela …
… [fragmentação]
paran[do] …
“Filha, não me …
alimento? Fale …
pois assim tendo saído …
e ao meu lado e do pai Cronida de negras nuvens
permanecendo, por todos os imortais seria honrada.
Se o fez, voando de volta para baixo,
habitarás por um terço do ano
e os outros dois terços junto a mim e aos outros imortais.
E quando na terra perfumada flores primaveris
de todo tipo desabrocharem, então da treva nevoenta
de novo tu te levantarás, grande maravilha para deuses e homens mortais.
Com algum dolo forçado te enganou o que muitos recebe?”
Versão de Perséfone contada a Deméter
A belíssima Perséfone, então, disse-lhe, encarando-a:
“Eu, de agora em diante, contar-te-ei tudo mãe, verazmente.
Quando a mim chegou o mensageiro afortunado Argifonte
da parte do pai Cronida e dos outros deuses do céu
vindo ao Érebo, para que, tendo me visto com teus olhos,
apaziguasse a cólera e ira terrível contra os imortais,
então eu pulei de felicidade, mas secretamente ele
me lançou uma semente de romã, fruta doce como mel;
contra minha vontade, e usando da força, obrigou-me a comer.
Como me raptou, pela astúcia cerrada do Cronida,
meu pai, carregando-me para as profundezas da terra,
contarei, e de tudo tratarei, como pediste.
Estávamos todas numa linda campina,
Leucipe, Faino, Electra e Iante,
e também Melite, Iaque, Ródia e Calirroé,
Melbosis, Tique e rosada Ocirroé,
Criseida, Ianeira, Acaste e Admete,
Rodope, Pluto e desejada Calipso,
e também Estige e Urânia, Galaxaure e amável
Palas que incita a batalha, junto a Ártemis arqueira.
Brincávamos e flores amáveis colhíamos com as mãos,
misturadas, gentis crocos, írises e jacintos,
e também botões de rosa e lírios, maravilhas de se ver,
e o grande narciso saído da terra qual croco.
Eu o colhia alegremente e a terra por baixo
se abriu e dela saiu o poderoso rei que muitos recebe.
Carregando, levou-me para baixo da terra em carro dourado,
muito contra minha vontade, eu que gritava em voz alta.
Lamentando, essas verdades todas conto”.
Assim, o dia todo permaneceram, tendo o ânimo consonante
e muito o coração e confortável ânimo uma da outra
abraçando, apaziguando a dor.
A felicidade que recebiam, à outra davam.
Artista: Virginia Lee
Hécate se torna companheira de Perséfone
A felicidade que recebiam, à outra davam.
Então, delas se aproximou Hécate de véu brilhante
e muito abraçou a menina de Deméter.
E desde então, ajudante e companheira tornou-se da rainha.
Decreto de Zeus
E assim anunciou Zeus altissonante de amplos olhos,
que Reia de belos cabelos a Deméter de escuro peplo
conduzisse à estirpe dos deuses, que a receberia com honras
dando-lhe, as que quisesse entre deuses imortais.
E à filha prometeram que do ano iria
um terço nas trevas nevoentas passar,
e os outros dois, junto à mãe e aos outros deuses.
Assim falou, e a deusa não desobedeceu ao decreto de Zeus.
Apressada, do alto do Olimpo desceu
e foi para o Rário, campo fértil que dava vida
desde o início, mas agora não mais, pois sozinha
a plantação não dava frutos; a cevada branca estava encoberta,
graças aos planos de Deméter de belos tornozelos. Mas logo
estava prestes a crescer alto trigo,
chegada a primavera, e os grossos sulcos da terra
pesariam com a colheita que em molhos seria amarrada.
Ali chegou primeiro, descendo do ar estéril,
e felizes ficaram ao ver uma à outra, seus ânimos alegrando-se.
Retorno da fertilidade
E a ela, então, dirigiu-se Reia de véu brilhante:
“Filha, chama-te Zeus altissonante de amplos olhos
para ir à estirpe dos deuses, e ser recebida com honras,
[ganhando as que escolher] dentre os deuses imortais.
[E a filha] prometeram [que do ano iria]
[um terço nas trevas] nevoentas [passar,]
[e os outros dois ao teu lado e dos outros] imortais.
… assentiu com a cabeça.
[Mas vai, filha,] a mim também obedece, e não
[permaneças tão enraivecida] com o Cronida de negras nuvens,
[e rapidamente] cresça frutos aos homens cheios de vida”.
Assim falou, e não a desobedeceu a bem-coroada Deméter,
e rapidamente o fruto enviou à terra muito fértil.
Estabelecimento dos Mistérios de Elêusis
E de todas as folhas e flores a vasta terra
se encheu; e ela foi aos reis ministros das leis
para esclarecer, a Triptólemo e Diócles condutores de cavalos,
a Eumolpo e poderoso Celeu, comandante do povo,
para cuidar dos ritos sagrados e mostrar todos os rituais secretos,
para Triptolemo e Políxeno e também Diócles,
sagrados, os que é proibido negligenciar, deixar de lado,
ou falar: pois tão grande é a reverência às deusas, que previnem a fala.
Feliz aquele entre os homens que a terra habitam que os viu,
pois os não iniciados, os que não participam, nunca igual
lote têm, mesmo desaparecendo nas trevas nevoentas.
E depois de instruir todas essas coisas, a deusa entre deuses
encaminhou-se ao Olimpo, para reunir-se aos outros deuses.
Lá habitam junto a Zeus amante dos trovões,
sagradas e venerandas; grande é a felicidade daquele que
elas de bom grado favorecem dentre os homens que a terra habitam.
Rapidamente enviam em casa, a seus grandes palácios,
Pluto, que aos homens mortais riquezas dá.
Mas vão, as que a terra perfumada de Elêusis possuem,
e Paro das ondas, e Antrona rochosa,
soberana, rainha doadora de frutos e concedente das estações, Déo,
e sua filha, a belíssima Perséfone,
propícias a meu canto, vida aprazível garantam.
Certamente eu de ti lembrarei em outra canção.
Referências
- Alves, L. G. e Souza, S. R. (2019). A representação do mito de Perséfone mencionado na Teogonia Hesiódica e descrito no hino Homérico a Deméter na Ártica Arcaica. Religare 16 (2), p. 714-734.
- O texto em grego tem por fonte: Richardson, N. J. The Homeric Hymn to Demeter. Oxford: Oxford University Press, 1974.
- Tradução faz parte do trabalho de Carvalho, T. R. (2019). Perséfone e Hécate: representação das deusas na poesia grega arcaica, 133 flts. Dissertação de Mestrado, Programa de Pós-Graduação em Letras Clássicas, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade Federal de São Paulo (FFLCH-USP).