Daemones,  Deuses ctônicos,  Ninfas,  Panteão helênico

Espíritos gregos

Introdução

  • O animismo pagão da Antiguidade Clássica associava essências divinas a tudo e qualquer ser ou situação humana e não-humana. Não existia uma separação entre profano e sagrado. Os deuses e espíritos estavam por toda a parte e interagiam constantemente com os humanos.
  • Existem diferentes classes de seres entre os gregos antigos. Segundo Hesíodo e Plutarco (século VII AEC) e os pitagóricos e platonistas (século IV AEC), as classes de seres divinos são: deuses, demônios (daemons), heróis e os mortos.
  • Eu apresento uma categorização para fins didáticos, mas não existe um consenso muito claro entre a diferença de classe desses espíritos. Normalmente o quando eles eram conhecidos e cultuados que levavam eles ao status de deus ou não. Não se preocupe tanto se você encontrar um mesmo espírito sendo referenciado como deus ou daemone, dependendo da fonte.
  • Na minha prática pessoal, não existe uma diferença de graus de importância entre eles. O que acontece é que cada espírito (deus ou não) tem as suas particularidades e energias diferentes. Cada um tem preferências de oferendas e transmitem sensações únicas. Essas diferenciações chegam muito mais por gnose pessoal e estudo.
  • Os espíritos gregos, sejam divinos ou não, não são essencialmente bons ou ruins. Não existe esse maniqueísmo no panteão grego. Isso significa que precisa estar sempre atento e respeitoso, mas não é motivo de pânico. Nem tudo que é bonito é sempre bom ou tudo que é feio é sempre mal.
  • O objetivo desse texto é apresentar de maneira geral quais são os espíritos que estão associados ao panteão helênico para ser uma introdução a textos de aprofundamento nessas energias.
Ninfas e Sátiro (francês: Nymphes et un satyre). Artista: William-Adolphe Bouguereau (1873).

Deuses, heróis e heroínas

  • Os seres divinos podem ser primordiais como os Titãs e Titânides, celestes como os deuses olimpianos ou ligados a questões da terra ou submundo, ou ainda serem humanos que realizaram feitos heroicos que elevaram eles ao status de deus ou semi-deus.
  • A principal diferença entre os deuses e os heróis é na questão da imortalidade. Os deuses são chamados de atánatos (em grego: Ἀθάνατοι; romanizado: Athánatoi), são intocados pela morte, não sendo mortos. Por outro lado, os heróis são mortais que devido aos seus feitos extraordinários foram elevados a condição de divindade, mas eles possuem nascimento e morte, com túmulos e estelas. Inclusive o local da morte dos heróis é considerado sagrado e faz parte do culto políade honrar esse local ou invocar o herói na sua tumba. Com isso, o culto aos heróis é considerado um culto necromante.
  • Deuses possuem múltiplos domínios da vida humana. Possuem mitos próprios, eram cultuados e protegiam cidades.
  • Os seres divinos podem ser categorizados da seguinte forma:
  1. Titãs e Titânides – Urânidas (Cronus, Oceanus, Japetus, Hyperion, Crius, Coeus, Rhea, Tetis, Teia, Febe, Têmis e Mnemosine), Iapetionides (Atlas, Prometeu, Epimeteu e Menoetius), Hiperionides (Helius, Selene e Eos), Coeides (Leto, Asteria e Hécate) e os Creionides (Pallas, Astraeus e Perses).
  2. Deuses primordiais (Theoi Protogenoi) – Deuses anteriores aos olimpianos, eles incluíam Terra (Gaia), Ar (Caos), Mar (Pontos), Céu (Uranus), Água Doce (Tétis), Submundo (Tártaro), Escuridão (Érebo), Noite (Nyx), Luz (Aither), Dia (Hemera), Procriação (Eros), Tempo (Cronus) e Necessidade (Ananke).
  3. Deuses olímpianos (Theoi Uranioi) – 12 olimpianos (Afrodite, Apolo, Ares, Ártemis, Atena, Deméter, Dioniso, Hefesto, Hera, Hermes, Poseidon e Zeus).
  4. Deuses ctônicos (Theoi Khtonioi)- Deuses da agricultura (Deméter) e do submundo (Hades, Perséfone, Erínias, Moiras, Macária, Melinoe, Dioniso, Zagreus).
  5. Deuses menores – Deuses que são governados por outros deuses, eram relacionados com a vida da Ágora (Theoi Agoraioi), festas e banquetes (Theoi Daitioi), música e dança (Theoi Mousikoi), casamentos (Theoi Gamelioi), agricultura (Theoi Georgikoi), ginásios e atletismo (Theoi Gymnastikoi), mar (Theoi Halioi), medicina e cura (Theoi Iatrikoi), casa e o lar (Theoi Ktesioi), adivinhação e profecia (Theoi Mantikoi), caça e pastoreio (Theoi Nomioi), guerra (Theoi Polemikoi) e leis e costumes (Theoi Thesmioi).
  6. Heróis, heroínas ou semi-deuses – Humanos ou filhos de deuses com mortais que realizaram grandes feitos. Normalmente eles tem um mito que explica o nascimento, os grandes feitos e a sua morte. Em geral, eles estão relacionados a um local e transmitem ensinamentos civilizatórios. Exemplos: Héracles, Jasão, Aquiles, Teseu, Triptôlemo, Éaco, Radamanto, Minos, Asclépio, Trofônio.
Minerva e o Triunfo de Júpiter, uma representação de Zeus e Atena no Olimpo, segundo os nomes romanos dos deuses. Artista: Rene Antoine Houasse.
Saiba como começar a sua conexão com deuses gregos aqui.

Espíritos da natureza

I) Espíritos femininos

  • As ninfas (em grego clássico: Νύμφαι; em grego moderno: Νύμφες, nymphai) eram deusas menores da natureza ou espíritos naturais femininos (daimonaissai) que povoavam a terra. Elas são imortais.
  • Elas representam a graça criativa e fecundadora da natureza.
  • Elas estavam ligadas a um local ou objeto natural em particular. Muitas das classes se sobrepunham: por exemplo, a ninfa dríade de uma árvore crescendo perto de uma fonte também era frequentemente a náiade da fonte.
  • Embora fossem classificadas abaixo dos deuses, elas ainda eram convocadas para participar das assembleias dos deuses no Olimpo.
  • Elas são alvo da luxúria de homens e sátiros. A sua aparência sedutora pode entorpecer os sentidos e te levar para armadilhas, fique sempre atento com elas.
  • As ninfas presidiram vários fenômenos naturais – de nascentes a nuvens, árvores, cavernas, prados e praias. Elas eram responsáveis ​​pelo cuidado das plantas e animais de seu domínio e, como tal, estavam intimamente associados aos deuses olímpicos da natureza, como Perséfone, Deméter, Hécate, Hermes, Dionísio, Ártemis e Poseidon.
  • As ninfas podem ser divididas nas seguintes categorias:
    1. Ninfas da água – Oceânides (água salgada), Haliai ou Halíades (mar e costa), Nereides (águas calmas e costeiras), Naiades (água doce no geral), Hidríades (água no geral), Crineias (fontes), Pegeias (nascentes), Potâmides (rios), Limnades ou Limenides (lagos), Heleiades ou Heleionomos (pântanos), Quinoe (neve);
    2. Ninfas das árvores e da floresta – Dríades (árvores no geral), Epigeias (terra e cultivo no geral), Hamadríades ou Hadríades (árvore específica), Melíades ou Meliai (freixo da montanha e abelhas), Melissai (abelhas), Melissas (mel e mistérios eleusinos), Trias (abelhas); Oreiades (montanhas), Antríades (cavernas), Auloníades (pastos), Napeias (vales), Alseídes (bosques), Dafneias (loureiro), Císsias (heras).
    3. Ninfas de prado – Bucólicas (rebanhos e pomares no geral), Epimelides (pomares), Perimélides (rebanhos), Limáquides ou Leimonides (prados aquáticos e floridos), Anthousai (flores).
    4. Ninfas do céu e das estrelas – Astérias (estrelas no geral), Híades (estrelas da navegação), Plêiades (chuva), Nephelai ou Néfeles (nuvens de chuva), Aurai (brisas frescas), Hespérides (pôr-do-sol), Asteriai (estrelas), Boréades (ventos).
    5. Ninfas do submundo – Lâmpades (tochas do submundo).
    6. Geral – Mênades ou Bacantes (sacerdotisas de Dioniso), Cabírides (mistérios samotrácios), Cila (virou monstro marinho), Hecatérides (mães das Oréades, Sátiros e dos Curetes), Helíades (álamos), Musas, Têmides (leis divinas), Graças e Horas.
  • As contrapartes masculinas das ninfas eram os Sátiros, Panes, Potamoi e Tritões.
Hylas and the Nymphs. Artista: John William Waterhouse (1896). A pintura retrata um momento trágico da lenda grega e romana onde o jovem Hylas é arrebatado e sequestrado por Naiads (ninfas femininas da água) enquanto procura água potável. Baseado em relatos de Ovídio e outros escritores antigos.

II) Espíritos masculinos

  • Os Sátiros (do grego Σατυρος Σατυροι, do latim Fauno) eram espíritos rústicos da fertilidade do campo e da selva. Eles se relacionavam com as ninfas (ninfas) e eram companheiros dos deuses  Dionísio, Hermes, Hefesto, Pan, Rhea-Cibele e Gaia.
  • Os Sátiros eram retratados como homens animalescos com orelhas de asno, narizes arrebitados, cabelos reclinados, caudas de cavalos e pênis eretos. Como companheiros de Dionísio, eles geralmente eram mostrados bebendo, dançando, tocando flautas e se divertindo com as Ménades.
  • Atores vestidos como sátiros formavam os coros das chamadas peças satíricas que eram representadas nos festivais do deus Dionísio.
  • Alguns dos tipos mais específicos de Sátiros eram:
    • Panes (sátiros com pernas de bode); 
    • Silenos (sátiros idosos);
    • Satyrisci (sátiros infantis); e
    • Tityroi (sátiros tocadores de flauta).
Um sátiro dança o hekateris, uma dança rústica de chute alto. A criatura é retratada com orelhas e rabo de cavalo ou burro, nariz achatado, careca e barba espessa. Hesíodo nomeia o pai dos sátiros Hecaterus após a dança. Museu Britânico, Londres (cerca de 500 a 470 AEC).
  • Os Potamoi (do grego Ποταμος ou Ποταμοι) são deuses-rio ou espíritos que personificam correntes de água doce, filhos do grande deus-rio Oceanus que circunda a terra e a deusa titã primordial da água doce Tétis.
  • Suas irmãs eram as ninfas oceânides, deusas de pequenos córregos, nuvens e chuva, e suas filhas eram as ninfas naiades, ninfas de fontes e fontes.
  • O Deus-Rio foi representado em uma das três formas:
    • Como um touro com cabeça de homem; 
    • Um homem com chifres de touro com a cauda de um peixe-serpentina no lugar das pernas; ou
    • Como um homem reclinado com um braço apoiado em um jarro derramando água.
  • Os Tritones ou Tritões eram um grupo de deuses ou espíritos do mar com cauda de peixe no séquito do deus Poseidon. Eles eram uma plurificação do deus Tritão e eram retratados como os Satyroi (sátiros) do mar.
  • Outra raça de Tritones, chamada Ikhthyokentauroi (Centauros do Mar), tinha a parte superior do corpo de homem e a parte inferior de Hippokampoi (cavalo com rabo de peixe).
  • Uma monstruosa criatura semelhante a Tritão também foi descrita por vários escritores antigos. O mais famoso deles foi um espécime morto preservado na cidade de Tanagra.

Daemones

  • Daemon (em grego δαίμων, transliteração daímôn, tradução “divindade”, “espírito”), no plural daemones ou daímones (em grego δαίμονες) são espíritos imortais que personificam a condição humana e conceitos abstratos formavam grande parte do panteão grego.

Daemones de Hesíodo

  • Os daemones são imortais que surgem na literatura pela primeira vez com o Mito das Cinco Idades, na obra Trabalhos e Dias, de Hesíodo, o mesmo autor da Teogonia. Para Hesíodo, os daemones poderiam ser relacionados a justiça divina se fossem da Idade do Ouro, ligados a terra; ou serem daemones ligados a injustiça divina se fossem da Idade de Prata.
  • As cinco idades, em resumo, são:
    • Idade do Ouro – Homens imortais criados pelos deuses durante o reinado de Cronos. Viviam com os deuses como reis, tranquilos e em paz. Não existia trabalho. A morte era como um sono profundo e eles recebiam o “basíleion guéras”, um privilégio real, tornando-se daemones epikhthónioi. Eles atuavam como intermediários entre os deuses e seus irmãos viventes. Eles eram phýlakes, guardiões dos homens, velando pela justiça e, eram plutodotai, dispensadores de riquezas, favorecendo a fecundidade da terra dos rebanhos. As palavras eram sábias e mansas e faziam cessar a hýbris, arrogância, descomedimento.
    • Idade da Prata – Homens imortais criados pelos deuses que viviam afastados da guerra e dos trabalhos do campo. No entanto, eles cometiam hýbris pela asébia, uma impiedade, uma adikía, uma injustiça de caráter religioso e teológico. Eles se negavam a oferecer sacrifícios aos deuses e a reconhecer a soberania de Zeus, senhor da Dikê. Ao morrerem, eles se tornavam os daemones hypokhthónioi. Eles também atuavam como intermediários dos deuses e dos homens. Eles possuem muitas analogias com os doze Titãs, filhos de Urano e Gaia. Titán em grego, por etimologia popular, significava Títaks, rei e Titéne, rainha, tendo por vocação o poder.
    • Idade do Bronze – Homens imortais criados por Zeus a partir do freixo, que é um símbolo de guerra, por serem como lanças que vão em direção ao céu. A hýbris que eles cometiam era na guerra, por meio de manifestações de força bruta e do terror. É uma raça que não se ocupava também do trabalho da terra. Morrem no campo de batalha e são jogados no Hades como nónymoi, mortos anônimos, sendo esquecidos. O bronze é um metal ligado a proteção apotropaica, o seu brilho gerava medo no inimigo, assim como o seu som ao ser batido entre armas. Eles tem associações com as ninfas Melíades, regentes dos freixos, nascidas do sangue de Urano na terra. O gigante cretence Talos, guardava a ilha de Creta, que só foi derrotado por Medeia. Essa idade é relacionada aos Gigantes, que possuem invulnerabilidade condicional, sendo uma confraria militar, e possuíam estreita relação com as ninfas Melíades.
    • Idade dos Heróis – Homens mortais criados por Zeus, chamados de semi-deuses. Existiam dois tipos de heróis: aqueles que eram embriagados pela hýbris, pela violência e pelo desprezo pelos deuses, esses ao morrerem se tornavam mortos anônimos; e aqueles que eram guerreiros justos que iam para a Ilha dos Bem-Aventurados.
    • Idade do Ferro – Era o momento contemporâneo ao Hesíodo, com a necessidade do trabalho com a terra e as guerra, onde os homens e mulheres precisavam escolher entre o bem (justiça, dike) e o mal (hýbris). Resultado do desafio que Prometeu fez a Zeus e o envio de Pandora.
O mito grego da Idade do Ouro. Artista: Lucas Cranach (cerca de 1530).
  • De maneira geral, o temperamento do daemon liga-se ao elemento natural ou vontade divina que o origina. Por outro lado, Sócrates mencionava que um mesmo daemon pode apresentar-se “bom” ou “mau” conforme as circunstâncias do relacionamento que estabelece com aquele ou aquilo que está sujeito à sua influência.
  • Já Xenócrates, discípulo de Platão, dividiu o mundo espiritual entre os deuses com características benéficas e os daemones com características maléficas.
  • Portanto, na Grécia Antiga era possível categorizar os daemons da seguinte forma:
    • Daemones Criseus (Δαίμονες Χρύσαιοι), Hagnos (Ἁγνοί) ou Epictônios (Ἐπιχθόνιοι, epikhthónioi) – Os espíritos bem-aventurados da Idade de Ouro, eram trinta mil espíritos habitantes dos céus, que vigiavam os atos dos homens e recompensavam os justos com prosperidade agrícola.
    • Daemones Argireus (Δαίμονες Ἀργύραιοι), Macaros (Μακαροί) ou  Hiperctônios  (Ὑπερχθόνιοι, hypokhthónioi) – Os espíritos bem-aventurados da Idade de Prata, eram espíritos habitantes das profundezas da terra, ligados a guerra e que incitavam os homens a cometerem hýbris.
    • Eudaemones (Εὐδαίμονες) ou Agatodaemones (Ἀγαθοδαίμονες) – Grupo de espíritos bons que personificam as virtudes que acompanham os homens com seus guardiões durante a vida. Por isso, a palavra grega que designa o fenômeno da felicidade é Eudaimonia (εὐδαιμονία). Ser feliz para os gregos é viver sob a influência de um bom daemon.
    • Cacodaemones (Κακοδαίμονες) – Espíritos maus que personificavam todos os males que devastam a humanidade.
Agathos Daimon (do grego ἀγαθός δαίμων, agathós daímōn, espírito nobre) é um daemon da religião grega antiga e da religião greco-egípcia. Em sua forma grega original, ele servia como um deus doméstico e eram feitas libações a ele após refeições. Ele oferece a fertilidade, grãos e prosperidade dos lares.
  • As personificações abstratas dos daemones podem ser divididas nas seguintes categorias:
    1. Emoções e estados de espírito – Exemplos: amor e ódio, desejo sexual, afeição, raiva, harmonia e discórdia, alegria e tristeza, riso, esperança e medo, indignação, ilusão;
    2. Condição humana – Exemplos: Nascimento e Morte, Sono e Sonhos, Prazer e Dor, Juventude e Velhice, Riqueza e Pobreza, Fome e Doença, Facilidade e Trabalho, Destino e Oportunidade;
    3. Qualidades – Exemplos: Força, Beleza e Graça, Sabedoria, Estupidez;
    4. Moralidade – Exemplos: Valor, Modéstia, Moderação, Arrogância, Misericórdia, Verdade, Mentira, Impiedade, Justiça, Juramento, Respeito, Insolência;
    5. Voz – Exemplos: Eloquência, Persuasão, Crítica, Mentiras, Brigas, Oração, Conselho, Maldição, Lamento, Rumor, Mensagem, Fama, Grito de Guerra;
    6. Ações – Exemplos: Força, Rivalidade, Vitória, Trabalho, Competição, Luta, Assassinato;
    7. Estado da sociedade – Exemplos: Paz e Guerra, Boa Governação, Lei e Ilegalidade, Justiça e Injustiça.
    8. Elementos da natureza – Fogo, água, mar, céu, terra, florestas;
    9. Lugares – Estradas, cidade, fonte;
  • A maioria dessas divindades era pura personificação com pouca ou nenhuma mitologia. Apenas um punhado alcançou a caracterização completa, incluindo Eris (Conflito) e Hypnus (Sono). Alguns, incluindo Eros (Amor), Nike (Vitória) e Nemesis (Indignação) alcançaram status de culto, com altares menores e recintos dedicados a eles em tempos históricos.
  • Seus nomes são simplesmente substantivos em letras maiúsculas, então, por exemplo, Eros é “Amor” e Thanatus é “Morte”.
  • Não confunda daemones com os demônios da Goétia ou do Cristianismo. Muitas vezes a escrita de daemones em português pode ser encontrada de diferentes formas (daimon, daemon, dímons…) e gerar essa confusão entre os termos. Na Antiguidade, a palavra “daímôn”, da qual se originou o termo demônio, não era tomada como uma parte maligna, como nos tempos modernos. Não designava exclusivamente seres ruins, mas todos os Espíritos, em geral, incluindo os deuses e os demônios propriamente ditos.

IV) Criaturas lendárias

  • A coleção mais famosa de criaturas mágicas delas é encontrada na obra História Natural de Plínio , um livro que inspirou bestiários medievais. 
  • Exemplos: Anfisbaena, Basilisco, Catoblepas, Centauros, Cérberus, Esfinge, Fênix, Górgonas, Grifo, Harpia, Hidra, Leucocrota, Manticore, Monoceratus, Onocentauro, Pégaso, Sirena, Yale, Tritão.
Cérberus. Artista: William Blake.

Mortos

I) Mortos de Homero

  • Na antiguidade clássica, era possível contatar os espíritos de pessoas mortas através de oráculos de necromancia (psychagogoi). A primeira citação da aparição do espírito de mortos foi de Tirésias invocado por Odisseu com ajuda de Circe na obra Odisséia de Homero.
  • Os espíritos dos mortos também podem surgir em sonhos de pessoas vivas. Exemplo disso, é o espírito de Pátroclo que aparece para Aquiles na Ilíada de Homero. Muitas aparições de fantasmas nos relatos gregos é em busca de um enterro adequado.
  • Aparições de espíritos de pessoas que não alcançaram seus objetivos de vida (telos) ou que tiveram mortes violentas também podem ocorrer, entre eles: noivas, jovens solteiros, velhos que sofreram muito, donzelas ainda alegres, jovens tristes e guerreiros mortos em batalha.
  • De maneira geral, uma pessoa viva tem um thymós que estimula a pessoa a tomar decisões e quando uma pessoa morre, a psiquê sai de seu corpo e o thymós também morre. O cadáver enterrado ou cremado é chamado de necro. No submundo forma-se uma imagem espiritual da pessoa chamada de eídolon, que não tem entendimento (sem nóos ou phrén) de quem era em vida. Quando esse eídolon aparece para as pessoas vivas, ele aparece como um phasma.
  • Em Homero, o eídolon pode recuperar momentaneamente o entendimento por meio de um ritual ensinado por Circe a Odisseu, sendo possível gerar um diálogo.

II) Mortos de Hesíodo

  • A ideia de que o submundo tinha subdivisões ou que poderia haver reencarnação ou transmigração de almas é uma ideia que surgiu muito depois do tempo homérico.
  • Em Hesíodo, no mito das Cinco Idades (vide tópico Daemones) na sua obra Trabalho e Dias, existiam os seguintes destinos finais:
    • Os homens da Idade de Ouro ao morrerem como em sono profundo se tornavam daemons epikhthónioi, onde a psiquê fica sobre a terra e os homens da Idade de Prata se tornavam daemones hypokhthónioi onde a psiquê ficava sob a terra, atuando como intermediários entre os deuses e os homens. Eles teriam uma promoção após a morte.
    • Os homens da Idade de Bronze e a maioria dos heróis, após a morte eram lançados no Hades e ficavam semelhantes a fumaça, convertendo-se em mortos anônimos, sem direito a honras ou a culto, por parte dos vivos. Hesíodo não fala de penas, em tormentos específicos, mas fica subentendido que ser esquecido, deixar de existir, é um dos maiores castigos possíveis.
    • Os homens da Idade dos heróis que eram justos eram destinados a recompensa eterna na Ilha dos Bem-Aventurados.
    • Na Idade do Ferro, onde Hesíodo vivia, ele não fala claramente qual era o destino final, mas fala que a vida de quem é justo é cheia de fartura e a vida de quem comete hybris é cheia de doenças e escassez.

III) Mortos de Hécate

  • Na mitologia grega, Hécate é uma deusa complexa, associada a diversas áreas, especialmente à magia, à noite, aos caminhos e cruzamentos, e ao submundo. Sua ligação com os mortos é significativa, especialmente em seu papel como uma divindade ctônica (relacionada às forças subterrâneas) e psicopompa (guia de almas).
  • Hécate era vista como a líder de fantasmas e espectros que vagavam pela noite. Essas almas, por estarem em desequilíbrio ou conectadas a forças obscuras, se alinhavam com seu domínio sobre a magia e os limites entre vida e morte. Em particular:
    • Deusa dos Encruzilhadas: Era nos cruzamentos que se acreditava que os mortos podiam vagar, e as encruzilhadas eram consideradas lugares de poder onde oferendas eram deixadas para Hécate.
    • Guardiã dos Portais para o Submundo: Ela era uma divindade liminar, que transitava entre o mundo dos vivos e dos mortos, muitas vezes ajudando na transição das almas.
  • Pode-se citar os seguintes tipos de espíritos próximos de Hécate:
    • Almas Errantes (ἄωροι / aôroi) – Eram os espíritos de pessoas que morreram de forma prematura ou violenta, como vítimas de assassinatos, suicídios ou acidentes. Por não terem completado seu ciclo natural de vida, essas almas não encontravam descanso e ficavam à mercê de forças como Hécate. Eles também eram chamados de espíritos inquietos.
    • Espíritos Insepultos (ἄταφοι / ataphoi) – Eram os mortos que não receberam ritos fúnebres apropriados e, portanto, não podiam atravessar adequadamente para o submundo. Hécate era invocada para acalmar esses espíritos inquietos ou para guiá-los.
    • Espíritos Vingativos (ἁλύτριοι / alytroi) – Esses espíritos buscavam vingança por ofensas sofridas em vida e estavam especialmente ativos durante certos rituais de magia, nos quais Hécate poderia ser chamada para libertá-los ou manipulá-los em feitiços.
    • Lâmias e Empusas – Seres femininos que também se associam à noite e ao medo. A empusa, por exemplo, era um demônio que mudava de forma e sugava a energia dos vivos, enquanto a lâmia era conhecida por devorar crianças. Ambos esses seres míticos são frequentemente vinculados ao cortejo de Hécate.

Conceitos básicos de necromancia grega

  • Seguem alguns termos usados pelos gregos antigos que tem relação com os espíritos:

Eídolon (do grego εἴδωλον, plural: eidola ou eidolons) é a imagem espiritual de uma pessoa viva ou morta, é uma sombra, como se fosse o corpo astral, uma imagem pálida, inconsciente, abúlica, destituída de entendimento (nóos ou phrén).

Skia (do grego σκιά, latim umbra) é o espírito ou fantasma de uma pessoa morta, residindo no submundo.

Phasma (do grego antigo φάσμα) é o termo usado para a manifestação de alguém morto, aparição, fantasma, presságio, prodígio, monstro.

Nekros ou necro (do grego clássico νεκρός, nekrós) que tem referência a morte ou cadáver. 

Wikipedia

Anima é uma corrente de ar, vento, ar, respiração, o princípio vital, vida, alma”, às vezes equivalente a animus (“mente”), ambos do proto-indo-europeu. Cognato do grego antigo ἄνεμος (ánemos, “vento”)

Psiquê (do grego ψυχή, sopro da vida, espírito ou alma) parte da alma humana que é imortal. Tem também relação com o respirar, soprar, sopro vital, vida, alma. A psiquê pode ser perdida quando alguém é morto, ameaçado de morte ou desmaia. Em caso de desmaios, a psiquê pode voltar ao corpo através nas vias respiratórias. Quando alguém morre, perde a psiquê e se torna um eídolon no mundo inferior.
Pneuma (do grego πνεῦμα, respiração, espírito ou alma) tem um sentido mais fisiológico.

Nóos – espírito, entendimento. Quando Circe transformou os amigos de Odisseu/Ulisses em porcos, eles mudaram em aparência, mas preservaram seu nóos. Essa palavra é relacionada a phrén (plural phrénes) que pode ser traduzido como entendimento também.

Thymos é o intestino, apetite, alento e poderia ser definido como o órgão do sentir. O thymós pode levar o herói tanto à prática de façanhas gloriosas a atos muito simples, como os de comer e beber. O guerreiro pode conversar com seu thymós, com seu coração, seu ventre como se fosse o thymós. O thymós não é sentido como uma parte da personalidade (self) e sim como uma voz interna independente. É a parte da alma humana envolvida com a razão e emoção e morre com o corpo. Nos poemas homéricos, thymos faz parte de uma família de termos associados ao processo psicológico interno de pensamento, emoção, volição e motivação. Em outros lugares, thymos tende a significar “coração” ou “mente” (como aspectos do funcionamento mental), “espírito”, “inclinação” ou “raiva”.

Oxford Classical Dictionary

Larvae eram as almas dos mortos que não conseguiam encontrar descanso, seja por culpa própria ou por terem sofrido alguma indignidade, como um morte violenta. Eles deveriam vagar por aí na forma de espectros terríveis, esqueletos, etc., e especialmente atacar os vivos com loucura. Para expulsá-los de casa, ritos expiatórios peculiares eram realizados em três dias do ano, 9, 11 e 13 de maio, a Lemúria, quando todos os templos eram fechados e os casamentos evitados.

Lêmures são os espíritos ou fantasmas dos mortos na mitologia romana, considerados problemáticos, a menos que sejam exorcizados ou apaziguados.

Lar Familiaris (singular) ou Lares familiares (plural) eram espíritos de ancestrais que protegiam a casa de seus descendentes. Acreditava-se que Lares influenciava tudo o que acontecia dentro de sua esfera de influência ou localização. Em lares romanos tradicionais e bem regulamentados, o Lar ou Lares recebia culto diário e oferendas de comida, e eram celebrados em festivais anuais. Eles foram identificados com a casa na medida em que um romano voltando para casa poderia ser descrito como indo ad larem (“para o lar”).

Termos mais comuns na cultura romana.
Caronte carrega almas através do rio Estige. Artista: Alexander Dmitrievich Litovchenko (1861), óleo sobre tela, Museu Russo, São Petersburgo.

Referências

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  9. Nymphs. Disponível em <https://www.theoi.com/greek-mythology/nymphs.html> Acessado em 02/04/2023.
  10. Ninfas. Disponível em <https://pt.wikipedia.org/wiki/Ninfas> Acessado em 02/04/2023.
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  13. Pneuma. Disponível em <https://en.wikipedia.org/wiki/Pneuma> Acessado em 02/04/2023.
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