Rituais & Feitiços

Placas de imprecação

Introdução

  • As placas de imprecação (do latim: tabella defixionis, defixio, deuotio, donatio; grego: κατάδεσμος, katadesmoi; romanizado: katadesmos, inglês: curse tablet) são pequenas chapas de metal escritas em latim vulgar para fazer maldições e pedir por vingança. 
  • O que une as 1.600 placas de imprecação – patrimônio da cultura material dos séculos V AEC. a VIII EC., recuperadas em um vasto território, a maioria redigida em grego (katádesmoi) é a vinculação (binding, em inglês) entre o artefato mágico inscrito e o alvo da maldição. 
  • Foram encontradas mais de 500 placas em latim são recebendo diferentes nomes: defixio, deuotio, donatio, sendo o primeiro o mais usual na literatura acadêmica. A palavra é derivada do verbo defigo, cobrindo um campo semântico desde espetar de cima para baixo e, assim, pregar, prender, imobilizar, até encantar, enfeitiçar, amaldiçoar. Parte dos artefatos recuperados tinha sido perfurada por prego(s) – algumas placas afixadas publicamente, outras tantas depositadas em túmulos, poços ou fontes de água.
Distribuição das defixiones, escritas em latim, encontradas no Império Romano (Urbanová, 2017). 

Quando eram feitas?

  • Esse tipo de magia não se restringia a classes pobres da sociedade. Eram feitos verdadeiros encantamentos que revelam que o ritmo e a palavra eram poderosos para o magista que buscava a intervenção divina pela retribuição.
  • Essas placas eram endereçadas a deuses do submundo como Hermes, Hades, Caronte, Hécate e Perséfone. Em alguns casos, eram mediadas para pessoas mortas ou listam alvos das maldições.
  • As placas de imprecação poderiam ser depositadas em locais sagrados como cemitérios e santuários.
  • Essas placas recuperadas por arqueólogos são utilizadas como fonte primária, já que elas são expostas da mesma forma que foram originalmente depositadas.
  • As placas mais antigas revelam o objetivo de assegurar resultados favoráveis em disputas judiciais, comerciais, amorosas e esportivas. Alguns motivos encontrados nessas placas são:
    • Disputas, competições;
    • Concorrência;
    • Comércio;
    • Ambição erótica, amarrações;
    • Roubo.
Esboço da placa DFX 11.2.1/22.
Lado A: um daemon antropomórfico de barba longa é retratado em pé em um navio, segurando uma urna (?) na mão direita e uma tocha na mão esquerda. À esquerda dele, há dez palavras mágicas escritas em uma coluna: Cuigeu, Censeu, Cinbeu, Perfleu, Diarunco, Deasta, Bescu, Berbescu, Arurara, Baζagra; mais uma palavra está inscrita no peito do demônio: Antmoaraitto. Os nomes das mangueiras amaldiçoadas estão inscritos na representação do navio em que o daemon está: Noctivagus, Tiberis, Oceanus. 
Lado B: Conjuro-te, daimon, quem quer que sejas, e ordeno-te que atormentes e mate os cavalos das equipes verdes e brancas a partir desta hora, deste dia em diante, e mate Clarus, Felix, Primulus e Romanus, os cocheiro.

Retribuição justa

“Ação de se vingar, de causar dano físico, moral ou prejuízo a alguém para reparar uma ofensa, um dano ou uma afronta causada por essa pessoa.”

Definição de vingança. Fonte: Dicio.com.br
  • A vingança não é um ato deliberado para prejudicar alguém e sim uma retribuição por uma ação realizada para nos prejudicar.
  • Na moral helênica, existe o conceito de agon que consiste na competição harmoniosa. Segundo esse conceito, aos amigos são ajudados e os inimigos são combatidos. Apesar de não existir a ideia de “amar os inimigos”, não se prejudicava alguém sem motivo prévio. Causar a desonra ou dano ao outro apenas por prazer ou sem motivo, é considerado hybris.
  • O autor de mimos Publílio Siro (I AEC) declara: “Vingar-se do inimigo é começar uma nova vida”.
  • A magia para vingança na Grécia Antiga era uma ação feita para pedir retribuição e justiça aos deuses em paralelo ao sistema de justiça dos homens.
  • As placas de imprecação são um exemplo de que as pessoas tinham certeza que era um direito delas pedir aos deuses por vingança se alguém fez algo que as prejudicou.
  • Com base nesse direito, as pessoas tentavam persuadir os deuses a fazer um malefício conta a pessoa que foi injusta.
  • As placas de imprecação também eram frequentemente utilizadas junto com kolossoi, a boneca mágica de amarração grega.
Esboço da placa de Uley 72
Tradução da placa Uley 72: Para o sagrado deus Mercúrio. De Honorato. Reclamo à tua divindade que perdi duas rodas e quatro vacas e diversas coisinhas de minha casa. Venho rogar ao gênio da tua divindade que, a esse que me defraudou, a ele não concedas saúde, nem deitar nem sentar, nem beber nem mastigar – se homem, se mulher; se rapaz, se moça; se escravo, se livre – a não ser que me entregue minha propriedade e obtenha minha anuência. Com repetidas preces, rogo a tua divindade que minha petição.
  • Qualquer pessoa poderia ser alvo de uma maldição desse tipo, inclusive imperadores. Todos tinham medo de serem atingidos por esse tipo de magia, já que a crença de que a saúde e prosperidade poderiam ser afetadas por energias externas era comum na Grécia e Roma antiga.
  • Em diferentes panteões se tem divindades com domínios relacionados a vingança, como a deusa grega Nêmesis e as Erínias. Podendo ser endereçada a placa de empregação a elas. 
Esboço da placa RIB 323.
Tradução: Senhora Nêmesis, te dou o manto e as botas. Quem pegou não possa se redimir a não ser com sua vida, seu sangue.
Placa DT Abusina 2, 9 x 3,5 cm, esboço (1) e fotografia (2).
Tradução dos fragmentos: “Quem, quem, quem […] que você, (minha) senhora, do canalha […] eles devem chegar, e quem meu […] roubou, e eu pergunto, (minha) senhora […]  e eu prometo… (ofertas de sacrifício?) da mais alta qualidade […] para seu… […]”
Placa DT Abusina 3, esboço (1) e fotografia (2).
Tradução: “Amaldiçoados, devem ser banidos, aqueles que abusaram de minha confiança, e que agiram enganosamente: Flavus, Donatus, Florus. (Eu amaldiçoo) os ninguéns, os miseráveis, os ninguéns, os banidos, os amaldiçoados, os malignos.”

Vinganças na bruxaria

  • Como os membros da bruxaria não são norteados por uma lei sagrada, cada praticante de bruxaria e feitiçaria (se não segue uma tradição) tem seus conjuntos de leis, princípios e ética a serem seguidos. 
  • De maneira geral, a interpretação de vingança como algo negativo ou que vai gerar consequências negativas não é verdadeira. O contato com uma cultura cristianizada que emprega a culpa e perdão incondicional que afeta o discernimento das pessoas. 
  • Na minha prática, eu não considero errado se defender contra alguém que te fez algo mal ou querer impedir que a pessoa que te prejudicou continue fazendo algo ruim contra você ou outros. Eu considero o bruxo um agente de ação e mudança da realidade. Portanto, uma postura passiva não combina conosco.
  • Um conselho que eu posso dar é só fazer uma maldição ou amarração se realmente julgar importante. Tenha em mente as possíveis consequências morais que essa ação pode gerar e se pode lidar com elas. Afinal, a maldição/amarração pode funcionar, já que é esse o intuito. Além disso, faça apenas se souber manejar as energias e espíritos que podem se aproveitar energeticamente da sua intenção.
  • As placas de imprecação são uma opção de método de empregar vinganças e também amarrações. No entanto, escrever em placas de chumbo e depositar em santuários não é algo acessível. Como sugestão temos:
    • Escreva em um pedaço de papel o seu encantamento, inclua invocações aos seus guias e protetores espirituais pedindo auxílio. O encantamento pode incluir uma oferenda em agradecimento por esse espírito te auxiliar. Você pode incluir desenhos, símbolos e sigilos que reforcem o seu propósito. Uma opção mais elaborada é comprar argila e fazer a inscrição do encantamento com um palito.
    • Você pode colocar esse papel com o encantamento em um frasco pequeno de barro ou em uma bolsinha de pano natural. Se quiser inclua amuletos e ervas que tenham relação com a sua intenção. 
    • O depósito do seu encantamento pode ser feito em um cemitério, em um jardim ou em um jarro com terra. Você pode buscar terra de cemitério ou terra de um jardim ou areia de praia. Exemplos: se você quer fazer uma amarração, pode ser enterrado embaixo de uma roseira; se for uma maldição, pode ser embaixo de um cacto ou comigo-ninguém-pode. Não deposite na natureza nada que não seja biodegradável.

Referências

  1. Larson, J. (2007). Ancient Greek cults: a guide. Routledge.
  2. Freitas, R. C. D., & Funari, P. P. (2018). Invocando deuses e clamando por vingança em fontes literárias e epigráficas. Parte: http://hdl. handle. net/10316.2/46063.
  3. Urbanová, D. (2017). Latin curse texts: Mediterranean tradition and local diversity. Acta Antiqua Academiae Scientiarum Hungaricae, 57(1), 57-82.
  4. The Curse Tablets from the Roman Cohort Fort of Abusina/Eining. Defixionum tabellae Abusinenses (DT Abusina). Disponível em <https://www.bavarian-studies.org/2022-blaensdorf-steidl/> Acessado em 26/08/2022.
  5. Curse tablet. Disponível em <https://en.wikipedia.org/wiki/Curse_tablet> Acessado em 26/08/2022.
  6. Defixones. Disponível em <https://www.archaeologyexpert.co.uk/defixones-curse-tablets.html> Acessado em 26/08/2022.

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