Hybris, Miasma e Catarse
A lei natural
- Os gregos antigos buscam manter a lei natural, regida pela deusa Themis (do grego Θεμις, que significa lei divina ou costume), o que é religiosamente aceito, fazer aquilo segundo a vontade das Moiras. Tudo que viola essa lei natural gera miasma, entrando em um estado de comunhão com a deusa da retribuição Nêmesis (do grego Νεμεσις);
- A pessoa com miasma possui uma mancha em seus corpos espirituais e começa a ser perseguido pelas Eríneas para que a pessoa seja punida;
Miasma
- Miasma (do grego μίασμα e do latim pollutio) é o estado de impureza ritual. É uma poluição ou contaminação espiritual causada por ações que transgridem a themis, gerando comunhão com a deusa Nêmesis;
- Os deuses recusam as orações e oferendas de pessoas com miasma.
- As pessoas acumulam miasma simplesmente por viver, é algo natural e não tem conteúdo moral. Nada tem haver com o conceito de hybris ou pecado cristão.
- Tipos de miasma:
- Miasma do corpo (nascimento, fluídos corpóreos, doença e morte);
- Miasma da alma (impiedade, vícios, crimes e hybris);
- Miasma da casa (miséria, desgraça, calamidade);
- Miasma da cidade (praga, injustiça, desastres naturais);
- Miasma do planeta (epidemias).
- As Eríneas (filhas de Nemesis em algumas versões) são as agentes causadoras dos miamas.
- Algumas situações que causam miasma:
- Contato com seres estranhos como espíritos de pessoas assassinadas, pessoas que morreram com miasma, almas que não receberam os ritos fúnebres.
- Contato com o nascimento ou com a morte natural;
- Contato com fluidos sexuais, sangue, fezes e urina;
- Contato com ações criminosas ou injustas;
- Contato com lugares que passaram por eventos trágicos, violentos ou sacrilégio;
- Contato com pessoas ou lugares que desagradam os deuses;
- Práticas de advinhação, magia e feitiçaria, já que você está forçando deuses e espíritos a fazerem a vontade do mago ou bruxo;
Catarse
- Catarse (do grego katharsis e latim castitas) é o estado de pureza ritual, o estado natural onde as ações estão de acordo com a lei natural, gerando comunhão com a deusa Themis. É um estado fundamental a ser mantido durante os rituais, oferendas e orações.
- Para a pessoa com miasma precisa se purificar e se reconciliar para atingir a catarse novamente. Se o miasma não for tratado, pode causar cegueira espiritual e quebra no contato com os deuses.
- A limpeza física, mental e espiritual são fundamentais para os ritos religiosos helênicos.
“Não despeje libações de vinho espumante para Zeus e outros imortais ao amanhecer com as mãos sujas – eles não ouvem suas orações, mas as cospem de volta.”
Hesíodo, em Trabalho e Dias
- Esses ritos de purificação (katharmos, do grego kαθαρμός) devem ser feitos antes e depois de rituais, ou após situações causadoras de miasma. Para os helenos, não existe crime ou situação que não possa ser purificada.
- Exemplos de rituais para restabelecer o estado de catarse:
- Banho para limpeza física;
- Lavar as mãos, rosto e escovar os dentes;
- Colocar roupas limpas e remover sapatos;
- Deixar o cabelo preso (exceto em ritos funerários);
- Usar remédios;
- Uso da água lustral;
- Banimentos de espíritos;
- Dança, música, gargalhada;
- Uso de símbolos de proteção e banimento;
Paz dos deuses
- É o estado de harmonia e estabilidade tanto na vida religiosa quanto na vida social, chamada de a Paz dos Deuses (grego: Eirini Theon , latim: Pax Deorum);
- O objetivo da religião grega é atingir a Eirini Theon.
Água Lustral
- Antes de iniciar o contato com os deuses e ao término desse contato, é preciso fazer uma catarse, um exemplo é a limpeza com a água lustral, o khernips.
- Observe que o ritual do khernips envolve os quatro elementos;
- A água do khernips também pode ser usada para limpeza de instrumentos mágicos e da superfície do ritual;
Hybris
- Hybris (em grego ὕϐρις, “hýbris”) pode ser considerado um daemon que personifica a insolência, violência, orgulho imprudente, arrogância e qualquer comportamento ultrajante no geral.
- Segundo Aristóteles, hybris é a incorreção que faz os homens buscarem prazeres para eles mesmos enquanto leva outros à desgraça;
- A hybris seria qualquer excesso humano que irá prejudicar a harmonia estabelecida pela ordem divina no mundo. Ela representa a ação humana desmedida frente à organização estipulada pelos deuses, rompendo uma ordem não que pode ser desfeita.
- Hybris x Miasma
- Ambos levam a quebra da lei natural, mas o miasma não tem conteúdo moral e nem é uma ação voluntária, de maneira geral, já é um resultante de muitos processos naturais. A hybris tem forte conteúdo moral, sendo classificado como algo errado perante aos deuses e passível de punição. Quando o homem comete uma hybris cabe à esfera divina trazê-lo novamente à justa medida, recuperando, dessa forma, a boa ordem.
- Hybris x Agon
- Ambos podem ser gerados por competições, mas no caso do Agon é uma competição justa. Na visão helênica, a vingança é uma retribuição por algo que foi feito contra você, isso não é algo visto com maus olhos. No caso se torna hybris se a ação de provocar vergonha ou desonra apenas apenas por prazer ou satisfação pessoal.
- Hybris x Timé
- Ambos geram orgulho, mas a timé é um objetivo de vida nobre que pode ser alcançado com esforço ou por virtudes dadas pelos deuses que merece glória e aclamação saudáveis. No caso da hybris, é uma arrogância destrutiva, onde a pessoa se sente superior aos demais e aos deuses.
- A hybris é sempre um ato negativo e envolve uma ação voluntária, uma vítima que sofre desonra ou vergonha.
- Exemplos de hybris:
- Excesso de orgulho fazendo uma pessoa se considerar igual ou superior aos deuses.
- Quebrar alguma lei divina.
- Insultar alguém que não lhe insultou.
Helenismo x Bruxaria
- A bruxaria moderna e o helenismo ou reconstrucionismo helênico (recons) são paradigmas do neopaganismo diferentes. A estrutura do ritual, o altar, o culto doméstico e cívico e conjunto de festivais são diferentes. A bruxa pode ou não adotar o politeísmo grego nos moldes dos recons, mesmo que cultue algumas das divindades gregas.
- Embora muitos reconstrucionistas afirmem adaptar as práticas clássicas a realidade atual e cultura vigente, eles mantém o conceito de miasma e não consideram rituais de bruxaria e devoção a deuses ctônicos.
- A bruxa não se limita ao panteão grego e aos textos clássicos. A bruxa pode ser chamada de reconstrucionista porque busca reviver conceitos pagãos antigos de contato com a terra, mas a bruxa não se limita a textos clássicos. Existe uma variedade de práticas que torna cada bruxa uma pessoa única e com possibilidade de unir práticas de diferentes culturas na sua prática pós-moderna.
- O bruxo e o heleno possuem concepções diferentes do que viola a ordem natural. Com isso, o conceito de miasma não se aplica para no paradigma da bruxaria. O que gera miasma para um heleno, não necessariamente é considerado negativo para uma bruxa.
- A prática da bruxaria que é baseada na prática de magia e feitiçaria visa a mudança da nossa realidade com a finalidade de favorecer o praticante de algumas forma. Com isso, a prática de bruxaria é uma prática de rompimento da themis. Portanto, gera miasma para um recon, já a prática de bruxaria é um ato de forçar uma mudança na themis que seja favorável ao bruxo.
- A bruxaria tem conceitos de liberdade dos corpos, temos contato constante com a vida e a morte, práticas de magia sexual, ativação de sigilos com fluidos sexuais, contato com divindades, necromancia e seres sobrenaturais. Portanto, gera miasma para um recon
- No paradigma da bruxaria moderna, é comum que exista o contato, devoção ou sacerdócio para deuses relacionados ao submundo. Portanto, gera miasma para um recon.
- A bruxa se preocupa em fazer o círculo mágico, banimentos antes e depois de rituais, fazer amuletos e sigilos de proteção e realiza purificações rotineiramente. Isso seria o suficiente para ela se sentir segura com suas práticas.
- A bruxa não considera negativo as ações que o recon chama de causadoras de miasma. Não existe violação da ordem natural para uma bruxa. A bruxa mergulha no miasma porque para ela faz parte da ordem natural ter contato com todos esses aspectos da vida e morte.
- A bruxa pode utilizar de práticas e conceitos helênicos, mas ela não se restringe a ele. A bruxa inclui práticas pós-modernas na sua vida, ela considera a gnose pessoal válida e não se limita aos textos e práticas clássicas.
Referências
- Santos, F. C. (2019). O problema da hybris na filosofia grega antiga. Principia, (39), 15.
- Leite, P. G. (2014). Hybris e a ofensa ao divino como causa da ruína dos governantes em Ésquilo. Fato & Versões-Revista de História, 6(12).
- Miasmas e o ritual do khernips. Disponível em <https://www.specula.com.br/post/miasmas-e-o-ritual-de-khernips> Acesso em 07/01/2023.
- Miasma e catarse. Disponível em <https://www.helenos.com.br/post/miasma-e-catarse> Acessado em 23/04/2022.
- Hybris. Disponível em <https://pt.wikipedia.org/wiki/Hybris_(mitologia)> Acessado em 23/04/2022.
- Miasmas e o ritual do Khernips. Disponível em <https://www.specula.com.br/post/miasmas-e-o-ritual-de-khernips> Acessado em 23/04/2022.
- Katharsis and miasma. Disponível em <https://hellenicfaith.com/katharsis-miasma/> Acessado em 23/04/2022.
- Themis. Disponível em <https://www.theoi.com/Titan/TitanisThemis.html> Acessado em 23/04/2022.
- Nemesis. Disponível em <https://www.theoi.com/Daimon/Nemesis.html> Acessado em 23/04/2022.
- Fel the Blithe. Purification & Cleanliness | HELLENISM 101. Disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=iM2bPnPbWK4&list=PL5llCtIz2IXEMLXQVtoYMXNp7762VknqL&index=4> Acessado em 23/04/2022.