Bruxaria política,  Herbário

Favela

Introdução

  • Favela é uma planta da família das euforbiáceas e é uma planta endêmica do Brasil, o que significa que não é encontrada em nenhum outro lugar do mundo.
  • As suas sementes cheias de óleo e alimentícias são sementes em forma de fava, por isso, o seu nome “favela”.
  • O texto de hoje é uma homenagem e um resgate à ancestralidade do termo “favela” que por conta da planta passou a dar nome às periferias habitadas por pessoas vítimas da desigualdade social.
  • Para mim, usar o termo favela e favelada é dizer não para a higienização, lembrar da história da opressão nesse país e da resistência das minorias.
Arbusto Favela.

Relação entre a planta e as favelas

  • As favelas no Brasil são uma consequência da desigualdade econômica e da migração de áreas rurais para áreas urbanas em busca de trabalho, muitas vezes pouco remunerado. Outro fator que propiciou a criação de favelas é a falta de planejamento urbano e oferta de moradias dignas e acessíveis para a população.
  • Os estados de São Paulo e Rio de Janeiro concentram a maior quantidade de pessoas morando em favelas em números absolutos. No Rio de Janeiro, o surgimento das favelas é complexo e tem vários fatores que influenciaram. Veja alguns exemplos a seguir.
  • Em 1808, 30% da população carioca é expulsa de suas casas para dar moradia aos acompanhantes da família real portuguesa e com isso, inúmeras famílias passam a viver em cortiços. Com o abandono de grandes casas que não conseguiam se sustentar sem a escravização, o número de cortiços aumenta após 1822, com a saída dos portugueses com a independência do Brasil.
  • Na segunda metade do século XIX com fortes movimentos a favor do fim da escravidão no Brasil, algumas pessoas escravizadas começaram a comprar sua liberdade e outros fugiam para quilombos. Com a lei do ventre livre em 1871 e o fim do sistema escravocrata em 1888, mas sem políticas de inserção, os ex-escravizados começaram a migrar para cortiços, quilombos ou começam a construir casas em áreas desvalorizadas como morros, grotas e pântanos.
  • Com a demolição dos cortiços do centro do Rio de Janeiro pelo prefeito Pereira Passos, entre 1902 e 1906, sem indenização, os moradores começaram a ocupar os morros mais próximos.
  • No século XX, com o grande fluxo de imigrantes para o Rio de Janeiro, com empregos que não pagavam o suficiente para comprar ou alugar uma casa digna, as pessoas começaram a construir em terrenos ilegais próximos aos locais de trabalho. Com isso, se intensifica a construção ilegal e sem regras. As favelas modernas surgem na década de 1970 com a chegada de pessoas de áreas rurais do Brasil para as cidades.
Cortiço da Rua dos Inválidos, final século XIX.
400 jagunços prisioneiros, 2 de outubro de 1897. Canudos, Bahia. Acervo Museu da República. Imagem recuperada digitalmente pelo Instituto Moreira Salles. Fotógrafo: Flavio de Barros.
  • A origem do termo “favela” começa com a Guerra de Canudos. Ele foi um conflito armado entre o exército brasileiro e membros da comunidade liderada por Antônio Conselheiro, em Canudos no interior do estado da Bahia, entre 1896 e 1897. A motivação foi a revolta pelas secas e desemprego que levavam pessoas a Canudos em busca de salvação religiosa oferecida pelo Antônio Conselheiro. Começaram a ter rumores que a comunidade iria atacar cidades vizinhas, depor o governo republicano e reinstalar a monarquia. Mesmo sem provas desses rumores, o exército foi enviado ao local, o que levou ao massacre de mais de 20 mil sertanejos e 5 mil militares. Sem falar da degola de muitos prisioneiros e incêndio de todas as casas do local.
  • A cidade de Canudos foi construída junto a alguns morros, entre eles o Morro da Favela, porque encontravam lá a planta Cnidoscolus quercifolius, chamada de favela, encobrindo a região. Alguns soldados que retornaram da guerra para o Rio de Janeiro em 1897, deixaram de receber o soldo e se instalaram em construções provisórias no Morro da Providência, que passou a ser chamado de Morro da Favela, em referência ao local original. A partir da década de 1920, as habitações improvisadas e sem infraestrutura que ocupavam morros passaram a ser chamadas de favelas.
  • O morro da Providência se tornou um local ideal para abrigar famílias de baixa renda, cercado de pedreiras, fábricas e por linhas da Estrada de Ferro Central do Brasil, cemitério e a região portuária. As primeiras casas da Providência começaram na parte baixa do morro, com o formato das casas existentes em Canudos. Em 1904, o governo tentou a primeira remoção da favela da Providência, frustrada pela revolta popular chamada de “Revolta da Vacina”.
  • Na época da ditadura, tanto o governo quanto a polícia chamavam o pobre e desempregado de “classe perigosa”. Apenas no final da década de 1970 que o tráfico começa a dominar as favelas cariocas, junto com contraventores do jogo do bicho. Tudo intensificado pela corrupção policial e política.
Canudos antes da guerra.
Morro da Providência considerada primeira favela do Rio de Janeiro.

Favela (Cnidoscolus quercifolius)

  • Origem: Endêmica da caatinga brasileira (não existe em nenhum outro país).
  • Nomes comuns: faveleiro, faveleira, mandioca-brava, favela-de-cachorro.
  • Trata-se de um arbusto que possui espinhos e flores brancas. O fruto é uma cápsula que contém sementes, oleaginosas em forma de fava.
  • A favela é bastante popular na medicina popular do sertão brasileiro. A favela possui propriedades analgésicas, anti-inflamatórias, cicatrizantes, diuréticas e antitumoral.
  • Ela é uma fonte de alimentação humana e animal no semi-árido paraibano.
  • Tanto a favela quanto outras plantas da caatinga são menos estudadas, apesar de seu grande potencial já validado pelo conhecimento popular.

Favela e a bruxaria

  • Para mim, conhecer a existência da planta favela e como ela acabou sendo associada com os locais chamados favela foi uma revolução na minha visão sobre o lugar. Eu nasci em favela e vi seu nome sendo higienizado para “comunidade” e se chamar “favelado” se tornando algo negativo.
  • Hoje eu entendo que esse só foi um projeto de apagamento histórico. Os moradores das favelas movem a economia e são lembrete constante de como a desigualdade social adoece a nossa sociedade.
  • Por isso, mesmo que um dia eu deixe de morar em favela, serei sempre uma favelada, pelo meu modo de ver o mundo, me vestir e me relacionar.
  • A bruxaria e a favela tem muita relação porque tanto a figura da bruxa quanto do favelado são de marginalidade, somos renegados e o poder público dificilmente atua nos protegendo.
  • Pensar na planta favela, no massacre de Canudos, das consequências da escravidão, da exploração da mão de obra, da corrupção, da falta de direitos básicos… tudo entrelaçado e jogado para debaixo do tapete.
  • Somos sempre os culpados, sejam bruxas e/ou favelados. A culpa da pobreza é do pobre? Somos um lembrete de que precisamos de mudanças e rápido.
  • A bruxaria e a favela atua em mim como uma forma de resistência e busca por uma revolução social.
Crianças brincando de pipa em favela.

Referências

  1. Novaes, T. E. R., Novaes, A. S. R., Glusczak, L., & Vilarinho, L. B. O. (2021). Potenciais medicinais da faveleira (Cnidoscolus quercifolius) e seus usos na saúde humana: uma breve revisão. Research, Society and Development10(2), e43910212845-e43910212845.
  2. Magalhães, J. C. R. (2010). Histórico das favelas na cidade do Rio de Janeiro. Ano 7, edição 63. Disponível em <https://www.ipea.gov.br/desafios/index.php?option=com_content&view=article&id=1111:catid=28&Itemid=23> Acessado 04/09/2025.
  3. Carvalho, J. (2015). Conheça a história da primeira favela do Rio, criada há quase 120 anos. Disponível em <https://g1.globo.com/rio-de-janeiro/rio-450-anos/noticia/2015/01/conheca-historia-da-1-favela-do-rio-criada-ha-quase-120-anos.html> Acessado 04/09/2025.
  4. Guerra de Canudos pelo fotógrafo Flavio de Barros. Disponível em <https://brasilianafotografica.bn.gov.br/?p=3002> Acessado 04/09/2025.

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